quinta-feira, 31 de julho de 2008

BOLERO COM SATURNO


Nas cizas das horas, um dia ainda ei de partir.
Não um partir anunciado, não pela tristeza de um dia chuvoso, deixando meus passos leves ferindo o chão...
Haverei de esticar as asas lá pelas duas da tarde, na hora dos cochilos depois do almoço...na hora que os meus irmãos de alma estão com os pulsos a fabricar o país...aí estarei de malas feitas para um daqueles anéis de saturno, pegar o mesmo pela cintura, enlaçá-lo num bolero, num tango qualquer...
Aí sim estarei tranquilo. Os meus irmãos de alma trabalhando e eu cá, com saturno aos saltos no universo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

COM OS OLHOS DE ACHAR POESIA


Do porto as velas cercam o sol no fim da tarde
Os homens descarregam das jangadas a geometria infinda das redes
Na peregrinação dos músculos cansados
No olhar crispado dos peixes

No fim da tarde o sol escorre como a lágrima na face,
As ondas se movimentam como a respiração, como arfar de um peito
E com efeito, o sol que lambe os rostos ainda arde
Arde como a paixão, sem brida, arreio ou freio.

No fim das tardes, do chocalho de dias que são os anos
A escaler, a jangada, os peixes, as ondas ainda se hamonizam
E na mesma valsa dançam, sob as retinas deste olhar praiano.
No fim da tarde ninguém diria, mas tudo é possível, com os olhos de achar poesia.

sábado, 26 de julho de 2008

LIBERDADE


Não mais quero o sabor das uvas rançosas
Nem as migalhas de sol por arestas escorridas pelas frestas das telhas...
Não mais quero o água nesta represa de potes.
Não mais a arte apenas na cor das asas dos pássaros em minhas gaiolas...
Liberdade ao pássaro e às minhas retinas.
Liberdade a água represada nos potes de minhas retinas...liberdade ao sabor e vida longa aos beijos.
Porque senão pela dança da liberdade do paladar, dos cheiros dos perfumes nas novas raparigas, das retinas debruçadas em novas paisagens e o apalpar do meu tato em novas paisagens...não há nada senão a escravidão da alma e uma bigorna contendo o passo de cada um dos meus sentidos.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O BRILHAR DAS GARRAFAS


É sob esse luar, esta luz de mercúrio que me toca...
É sob a harmonia dos bêbados, das bolas do bilhar, do brilhar das garrafas...
Quer hoje nasce este poema turvo e sujo como o sangue na navalha que fere a carne.
Pois carnes são feridas na guerra, na guerra dos olhares calados, calados pela mordaça do desejo e do freio da timidez.
É sob esse luar, que a sordidez do poeta se mostra e seus desejos mais primevos se desencarceram e sorreiem na noite tresloucados como hienas gargalhando do próprio oportunismo.
É assim que as almas se comportam meus caros poetas! Com a brida da educação sobre os instintos. E eu com a face magra, cercada pelas combracelhas groças e barba rala exponho meus desejos na varanda da alma. Para que a brisa possa escorrer seus dedos sobre eles, na esperança que no chocalhar de dentes eles acertem uma vítima qualquer.
Sobre o o dorso de minha alma não há ninguém a conduzir a brida, e nem de brida precisam meus caros instintos.

Quem viu o passo pisar no lírio?
Quem viu a lâmina sobre a carne?
Quem viu o tiro no coração sombrio?
Quem viu a lágrima do meu olhar que arde?

Quem viu-me no terror da noite densa?
Quem viu-me no prado a sangrar sozinho?
Quem viu a queda das torres das crenças?
Quem viu as mãos calejadas por mil espinhos?

Ah senhores que o viço brinca ainda pela vida
Que os clarins que cantem o teu porvir
Vos alertem das chagas e feridas

Que a galope ainda estão por vir
Que a vida que viverão seja curtida
Sob o sol da verdade a reluzir

domingo, 13 de julho de 2008

VISÕES


Mas quem te vê, quem te descreve quando és somente outono?
Quem se lembra de tí, quando não tem mais o viço da primavera,
Quando não tem mais os teus cargos, teus tronos?
Quem se lembra de tí no auge de tua dor primeva?

Qual dos amores, qual dos prazeres
Tu persiste em confundir
Qual da vileza desses seres
Pode ser como meu amor que funde-se em tí?

E quem sabe das minhas esperanças perdidas,
Renascidas nas migalhas de teu olhar.
E quem sabe do medo de encarar-te
Quando já sabe do verdadeiro motivo de minhas feridas.

E quem me sabes como um ex-amigo
Não sabe que és em mim eterna e viva
Que és chagas e bálsamo, tufão e brisa
És a única estrada que meu peito brada: - Siga...siga...siga.

CONTEMPLAÇÃO DA DOR


As noites de trevas perseguem as vitórias
E os quase heróis fraquejam, perecem e morrem
E assim nascem as histórias
Para os que acreditam nos versos que lêem, com a mesma pressa que correm.

Nascem as trevas infindas e obscuras,
Mas riscam os céus as estrelas cortando como lâmina as brumas.
Nascem para os ais e gemidos todas as curas...
Assim como somem os sonhos, no aluvião de cinzas do cigarro que fumas

As noites de trevas, de medo, serão uma constante
Mas resta aos homens de figa, soprar as brumas
Como quem afasta um vaso ou uma estante
Sem perturbar a tez, como quem não faz coisa alguma

Como quem sopra as plumas no céu perdidas,
Qual o vento se põe a soprar a vela de um escaler.
Como o sol e as trevas que saram feridas
Como quem sara um câncer, tal como uma ferida qualquer.

terça-feira, 8 de julho de 2008

TRAGO


Corre a fumaça pelas narinas do poeta,
Abanam as folhas do peito da chapada
Corre, desenha no ar como flecha...
Voa, move as velas da fragata

Dança, move, aciona mil ondas
Faze-se brisa, minuano, tufão.
Trago maldito que vaza das narinas no poeta
Deixam pegadas naquele coração.

Lambam as pás dos moinhos holandeses,
Movam as astes dos tantos trigais
Trago poético, cinzento esbravaja
Tua cor na palha daqueles coqueirais.