quinta-feira, 28 de agosto de 2008

AUTO-RETRATO


Salto por cima da bebel de pecados...
O ruflar de minhas asas, como um dragão noturno,
Com o cheiro do enxofre exalado pelos meus pecados,
Diferem muito da plumagem dos anjos que circulam a minha volta.
Fui e sou o misantropo d'alma encarcerada de fuligens,
De tegumentos, paroxismos em cirandas de defeitos.
De intrigas e reflexões profundíssmas, os as psicopatias herdadas
Pela genética falidas os meus antepassados, gritam com os clarins
Inflamados pelo erro.
Ruflam minhas asas, impulsinonam meu ser vagante, e nesta noite
Sobre a babel do pecados, circulam ao meu redor estes anjos vigilantes.
Não me abandoneis então bailarinos dos céus, que enquanto o bater de minhas asas, o Impulso dos meus músculos me impelirem aos ares, que voem vós ao meu lado a vigiar Os meus e os pecados desta torre de babel.

domingo, 24 de agosto de 2008

DESTINO


Armou-se o destino de punhal e caminhou em direção a Roseira
Despetala-a? Não...Decepa-a pela aste.
Armou-se o destino e feriu as frutas com brilhante punhal
Lacrimejou a uva, a maçã, os figos...
Armou-se o destino como nobre cavaleiro, montou seu corcel
Partiu em rumo incerto, cavalgando florestas e desertos
Em busca de alegrias singulares
Assim armado, decepou-me o braço da fortuna, deixou-me em feio inverno
Presenteou-me com mil pesares...
Galgou por cima de poetas, quebrou liras, calou mil brados
Podou sonhos, sonhadores vis tornaram-se seus escravos
Marchou imponete, com sua morte companheira
Matando desde um vil ordinário, até uma nobre roseira.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

NADA DE NOVO


E pensando sei que não há nada desses vendavais cochichando nas orelhas dessas mangueiras que eu não saiba...
Nada desses espasmos coléricos vistos em trovoadas,que meus filhos mais novos já não tenham brincado, como brincam e vislumbram o ímpeto furioso na força centrípeta do pião movido pela ponteira entrelaçados nos dedos e o braço fino que o dá vida.
Esses ais de tiros, de mil mazelas...puro reflexos de nós mesmos, nada de novo para a retina cansada, nada de novo para o ouvido faminto.
E nesses dias muídos pelas dores, nessas flores de cera sobre a mesa de minha mãe...paira aí a síntese do homem:
A dor de não ser capaz de fazer mais nada, e nossa vida se reflete como os ecos no bosque cuspido pelo ladrar de cães.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Evocação do Recife


Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...
Como eram lindos os montes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
— Capiberibe
Lá longe o sertãozinho de Caxangá
Banheiros de palha
Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
E nos pegões da ponte do trem de ferro
os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

Novenas
Cavalhadas
E eu me deitei no colo da menina e ela começou
a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
— Capiberibe
Rua da União onde todas as tardes passava a preta das bananas
Com o xale vistoso de pano da Costa
E o vendedor de roletes de cana
O de amendoim
que se chamava midubim e não era torrado era cozido
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.

Manuel Bandeira

Caros leitores. Vez em quando haverei de postar aqui alguns poemas que acho de fundamental importância. Este é o primeiro de muitos poemas dos gigantes de nossa literatura.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

VATES


Olho a noite e as brumas que a fazem
Vejo os poetas e os versos que vagueia pelas ruas
E a minha pena que nada escreve, nada vale
Como nada vale cantar mais coisa alguma

Estalam os olhos de planetas e de satélites
Debruçam os olhos sobre os mistérios desta noite
Sente o poeta que não escreve, estes olhares
Sente o poeta que verseja coisa alguma

Sente o vate que não escreve mil pesares
Escreve um outro dores que não sentiu nenhuma
Sangra um peito invisível mil verdades
Gritam verdades um peito que não tem nenhuma

Passos andam pelas ruas, nos cabarés
Boleros ilustram habilidades fúteis
Passos estanques de um vate de viés
Que não são vistos, mas que porém, são bem mais úteis.

SOLO FÉRTIL



Ao longo do tempo, pesa o ter que arrastar grilhões.
E assim as vidas amargam, as faces sugadas, as asas podadas
Daí brotam os malsões e as almas decepadas...
Abre-se daí a palma da mão ao vento, e as utopias são jogadas as tufões
E num bailar sem graça, sem música, sem poesia
Numa dança macrabra, numa tez opaca de metal lixado
Pende para um lado a vida, para três lados a morte.
Não é mais homem, nem mulher tampouco criança. És um feixe de músculos, de ações levadas por uma harmonia conduzida por uma batura qualquer, menos a própria consciência.
Anda indiferente as crateras da lua que pisas, do ar que lhe falta, da fome que lhe sangra e do desamor que lhe cega.
No cume da injúria latejam os ossos de dor,brada a alma por poesia, os tímpanos por música, as retinas pelo descanso da tela, e ele grita:
- Quem sou? Levo ou sou levado pela brida? De onde vieram tais pegadas? Onde estou e de onde fui levado?
Nada responde. O orvalho sangra mil cores num prisma sobre seus olhos e a alma sensível as capta.
Nada responde? Se lhe jorram harmonias de seu próprio peito, fétil como terra roxa?
Tudo certamente agora vos fala, pois o despertar de um homem é ter a alma infestada de poesia.

domingo, 3 de agosto de 2008

HISTÓRIA


O pó dos dias que não vivi,
Arrasta-se sobre minhalma.
Meu perfil, meus cabelos ao sabor dos vendavais, meu ser enfim
Sou pego pelas fuligens que irão finalmente me compor...

Ao nascer e crescer formado pelos sonhos, e pela realidade que não me convém.
Assim sou formado, pela ciranda que me circula, pelo arrastar de sonhos e as partículas que compõem minha realidade.