quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Boas festas...muito boas!

A face perolada das uvas
O orvalho na tez destes pêssegos
A rutilante gordura dos faisões
Tudo serve para celebrar
E denunciar o estágio faminto
Que arqueja nossa moral
Neste teatro de personagens burlescos.

Uma ode aos pântanos
E as câmaras abissais dos espíritos
Que varam os anos atravessando os séculos
Renascendo eternamente
Na sobrevivência moto-contínua
Dos uivos nas madrugadas dos próprios instintos.

As faces paroladas das uvas secam,
E os figos apodrecem na cal dos dias
Só a idéia pura e cristalina,
A bondade, o perdão permanece
Como edifícios imortais e indiferentes
Cegos para as futilidades
Mudos e surdos para o diálogo com os dias.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Outras Visões

Ao longe, no dorso dos desertos onde vagam as idéias errantes
Está o sonho do ser, do homem, do delírio, da idéia
Ao longe, onde a retina não enxerga, onde a voz não lateja
Vibra um círio de vida, uma chama eterna de utopia.

Ao longe, nos sóis sangrentos dos fins de tarde
Estão meus sonhos fitando-me nos horizontes
A minha espera, a ver meus passos em sua direção
Ao ver os ventos sobre as folhas levitando

O orvalho se fazendo em prisma
Minhas retinas fitando-os desde longos anos
Meu passo largo, meus dedos magros
Meu copo cansado e permanente

Uma marcha solitária de passos
Que jamais desistem...
Ao longe, mesmo que incerto
Se que está tão presente,
Quanto às idéias que em minha mente existem

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Cor nas palavras.

No ocre que toma o verde da folha
O sal da lágrima que doura o grão de areia
O verde brilhante do beija-flor que a beija
Bem no cume do rosa,
Rota na cor de chumbo do asfalto
Que alto, outro chumbo do céu nublado
Me atira uma chuva torrencial
Fonte de prismas do tiro
Quase solar que vaza a gota d’água
Arco íris em pleno céu de março
Fuma o homem o maço do cigarro
Que negro deixa teu pulmão
Puro charme do trago do lábio carnudo
Da boca de batom carmim da moça
Que roçam em mim os olhos verdes claros
É claro que este olhar não é de festim.
Rubras minhas faces que da romã
Furtou a cor.

Imagem: Denise Cardoso

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Solo Incerto

Desconhecia o medo dos amores incertos
Hoje conheço o medo das percas
E os arranhões das saudades que marcaram minha face
Os medos ainda constrangem meus olhares
Que já não é uma lança que apunhalava
Teu coração

É por precaução, que hoje quero do amor
Só o amor sem aventuras, quero o solo
O passo certo dentro do teu coração.

Imagem: Victor Melo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Pranto Calmo

Chora linda,
Chora calma e leve,
Como a libélula que levita sobre
As águas calmas do lago.
Porque todo mundo tem que ter
Este ombro amigo-eterno para
Aparar os prantos do mundo inteiro
Que se fazem em corredeiras
Abaixo das máscaras felizes
Infelizes somos todos nós
Nesse ar pós-moderno, que nos sufoca
Há tanto tempo.
Chora linda,
Chora que a água leve
Do teu pranto, lava este teu olhar
Sofrido e sacrossanto,
Nessa valsa que só dança você e eu.

Foto: Mafalda Reis

domingo, 29 de novembro de 2009

Feliz no Carnaval

Ainda na busca dos altares
Erguidos aos prazeres das noites
Pelos Pierrôs dopados pela pira
Das paixões derrotadas, debruçadas
Sob a luz da lua, sob a valsa dos confetes.
Neste carnaval que é o fermento de trevas,
De paixões mal resolvidas,
De bridas perdidas sem freios,
Dança o mestre- sala, fazendo sala à poesia,
Mas, as lágrimas quedam pelo rosto,
Pisam a face cansada de peito esfolado
De dores que a quarta de cinzas
Num céu de chumbo põe-se a chorar.
Sob as máscaras dopadas, além da música feliz
Abaixo da maquiagem, as lágrimas brotam...
Mancham este rosto fadado, a ser feliz somente na fuga
Da festa fulgás, onde os sambas-canções cantam teus ais...
És aqui que és feliz, nestes raros momentos,
Onde os tormentos teus são dopados pela festa fulgás.

Foto: Daniela Caniçali

sábado, 28 de novembro de 2009

Vaga Palavra

Risco da palavra, risco, corte, faca
Palavra que devora.
Cala a palavra, palavra que sufoca (enforca)
Fala a palavra, fala tanto
Que me afoga.
Afoga a palavra mar?

Segue calada, no verbo que se corta
Segue sangrando esse sujeito que é verbo
Quem tem corta?
Conta palavra!
Corta essas contas e
Banha tua sangria no mar

Palavra vaga,
No mar tem mil e uma vagas,
Vaga palavra, outro contexto
Vaga de que não explica nada

Vão pensamento teu,
Vaga explicava uma vaga enorme
Foi o meu dissertar.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Surpresas Dolentes

Não, não foste embora nas horas mortas
Do fim de tarde
Não foste, não feriste teus passos
Nessa longa e triste estrada
Deixando-me as cinzas do tempo,
Deixando-me no ar tuas lembranças,
Teus olhares, tua presença nos livros
Nos discos, nas réstias de sol,
Nos restos de mim.
Pois não creio no que some de repente,
Não creio no que escorre entre meus dedos
No que some de minhas retinas,
No que escapa fulgás pelo ar...
Sumiste cortando o ar deste sertão
Sumiste cortando meu peito,
Colorindo o chão com o rubro do meu sangue
A chorar...

Foto: Hugo
Fonte: http://br.olhares.com/solidao_foto944574.html

domingo, 22 de novembro de 2009

Versos Decantados

Eu que nada sei da vida
Nada entendo desse caos ao meu redor
Só percebo os versos que pairam aqui perto
E que os colho, entrego-os pela ponta da pena
Assim como quem colhe uma fruta
E oferta ao faminto.
Oferto meus versos, como tegumento
Retirados das câmaras do meu coração.
Estão aí meus versos todos encantados,
O supra-sumo do meu ser
Em formas de versos decantados,
Destilados e suprimidos sob a forma deste pão.

Pintura: English: The musical contest. Oil on canvas. 62 × 74 cm. Wallace Collection, London.
Jean Honoré Fragonarg (1732(1732)–1806(1806)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O caminho possível

Caminho, na valsa calma
No passo eterno dos doentes
Ombro a ombro com os dementes
Beijo a beijo com as mulheres
Perdidas na noite sem dentes,
Sem sonhos, sem sóis, numa eterna madrugada
Caminho ao lado do cego, do surdo, do mudo
Estudo, a voz latejante do tagarela.
Caminho nessa marcha de malsãos
Nessa madrugada eterna de quimeras reinantes
Nessa névoa de fuligens que fustigam
Meus medos, meus calos nos pés
Meus sonhos outrora tão sóbrios,
Agora delirantes
Caminho, embora o açoite,
Embora seja alvo, embora seja teste
Caminho com o cuidado de levar as mãos
Feito conchas levando os sonhos impossíveis
Embora só seja possível este corpo magro
Cheio de pestes.

Foto: Filomena

sábado, 14 de novembro de 2009

No repouso das horas noturnas.

No repouso das horas noturnas
No gemer do tempo silente
Estão as páginas amarelas de sempre
Desafiando-o sob a luz das tochas rubras

Estão as linhas pousadas nas pautas
Esperando a vigília de teu olhar insistente
Está a batalha do cansaço da vida diária
E a outra batalha noturna com os livros silentes

Está a mente do intelecto vazia
Preenchida gradativamente
Como o grão da ampulheta que cai

Formando o monte insistentemente
Está o tempo como desafio
Está você em luta consigo, permanentemente.

Imagem:Rembrandt. Parable of the Rich Man. 1627. Oil on panel. Gemäldegalerie, Berlin, Germany.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Uma lágrima.

Uma lágrima de sal
Para as mortes distantes
Para as mortes de entes
Como eu e você, como agora e antes
Chora a parafina na vela, no castiçal
Chora a luz bruxelante, nesse silêncio de umbral
Uma lágrima para os mortos de Unganda,
Uma lágrima para o afegão.
Uma lágrima na tua consciência
É desde já uma revolução.
Uma oração pelos cambojanos,
Uma reza pelos cubanos fuzilados no paredão,
Onde hoje o sol brinca com as cores de sangue
Espichadas, que escorreram pelo chão.
Uma lágrima de sal, pela fome no Butão
Uma oração antes do café da manhã
Antes de qualquer comemoração.
Uma lágrima de sal, para adoçar o teu mar
Para descortinar essas trevas,
Para fazer de conta que você se importa.

Foto: Nuno Ferreira

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A criação

Ia passando displicente, ao fim de tarde
Ia passando desatento pela madrugada
Olhos nos olhos o fitar.
Tem dias que surge meigo, e nos vem fácil
Fraterno.
Noutros corre, persigo-o.
Dobra em esquinas, ligeiro,
Corre entre ruelas, veredas, passos largos...
Derrapo, suspiro suando, mas por fim o detenho.
Pego cá o poema entre meus dedos,
Ele uivando, rebelando-se.
Amanhã o terei ameno, como as sombras
No fim de tarde.
Imagem: "A crição do Homem", detalhe da Capela Sistina.
Michelangelo ("Miguel Ângelo") di Ludovico Buonarroti Simoni (Caprese, 6 de Março de 1475Roma, 18 de Fevereiro de 1564).

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O POETA JOÃO CABRAL DE MELO NETO DÁ DE PRESENTE UM EPITÁFIO EM VERSOS PARA O AMIGO LEDO IVO - E MORRE. LEDO IVO CHEGA AOS 85, CHEIO DE “PERPLEXIDADE”

Postado por Geneton Moraes Neto em 03 de novembro de 2009 às 22:08
GMN : O que ficou da amizade com Manuel Bandeira ?

Ledo Ivo: “Minha ligação com Manuel Bandeira foi profunda. De todos os poetas, talvez o que mais me tenha marcado e ensinado foi Manuel Bandeira. Quando eu era menino, mandei poemas para ele. Recebi de volta um cartãozinho em que ele tocou em um ponto que ainda hoje permanece na poesia: “Há muita magia verbal em seus poemas”.

Depois percebi que, para mim, a operação poética é como se fosse um encantamento da linguagem - uma magia. Sou um poeta que acha que a poesia é o uso supremo da linguagem. Bandeira fez esta descoberta em meu momento inicial. Deu-me lições perenes : por exemplo, a de que o poeta deve ser um intelectual culto. Só a cultura tem condições de abrir caminhos. Ao poeta,não basta apenas ter talento e vocação. Por que o poeta deve ser realmente um homem culto ? Porque a poesia é um sistema milenar de expressão. É preciso conhecer os mestres. A criação poética não é,portanto,um problema só de sensibilidade. É um problema de cultura. Somente o vasto conhecimento da poesia e da literatura é que permite ao poeta exprimir-se.

A fidelidade à literatura deve ser o emblema do escritor. Devemos continuar segurando o estandarte. Vivemos um tempo de mudanças. Somos uma civilização de massas, uma civilização eletrônica, uma civilização consumista. Tudo alterou a posição do escritor e do poeta no Brasil.

Já não temos aqueles poetas populares de que Drummond foi o último grande exemplo. O poeta vive hoje em uma época de anonimato. Os ícones são diferentes, os gurus são outros. A linguagem literária hoje compete com a linguagem eletrônica, o CD-Rom, o cinema,o disco . Mas,há alguma coisa que só a poesia tem condições de dizer. A poesia, então, existirá sempre,como linguagem específica,porque só ela pode dizer,sobre a condição humana,algo que não pode ser dito de nenhuma outra maneira. O cinema e a televisão lidam de uma maneira diferente”.

GMN : O poeta, então, deve se resignar a ser anônimo, nesse mundo dominado pela fama e pela mídia eletrônica?


Ledo Ivo: “A função do poeta na sociedade é escrever poemas.A notoriedade é secundária”.

GMN : O senhor tem esta sensação de deslocamento ?

Ledo Ivo: “Pelo contrário ! Para mim, seria inconcebível ter aparecido antes ou ter aparecido depois. Como poeta ,surgi no momento certo.Tenho um grande sentimento da minha contemporaneidade.O mundo atual habita os meus poemas.A função do poeta é,também,celebrar o mundo em que vive. Não tenho nostalgia pelo passado. Não gostaria de ter nascido no passado,assim como não gostaria de ter nascido no futuro”.

GMN : Do que o senhor ouviu de João Cabral de Melo Neto, qual foi a grande lição ?

Ledo Ivo: “João Cabral me deu a lição da diferença entre os poetas.Cada poeta é diferente. As estéticas dos poetas são até inconcebíveis. Como são diferentes os caminhos para fazer a mesma coisa ! . O que mais me impressiona em João Cabral é ele ser saudado sempre como “o poeta da razão”, no Brasil. Para mim, João Cabral de Melo Neto é o poeta da “anti-razão”,o poeta da obsessão, o poeta das coisas ocultas,o poeta das coisas sibilinas, herméticas. A poesia que ele deixou é complexa,mas se abre para o grande acesso popular, o que é curioso.

Uma vez,João Cabral me disse: “Nós estamos fazendo uma obra literária. Procuramos fazer uma obra literária o maior possível.De repente, lá em Nova Iguaçu ,a essa hora, anonimamente, alguém pode estar fazendo a obra com que nós sonhamos”.

GMN : Para o senhor - que se considera “um homem de muitas perguntas e quase nenhuma resposta” - qual é a grande pergunta, a grande perplexidade que até hoje o atormenta ?

Ledo Ivo: “A perplexidade é estar no mundo - com todas essas perguntas que se acumulam; o fato de ser transitório; a existência e não-existência de Deus; o problema da condição humana. Vivo num mundo em que quase não há resposta. Não sei onde começo e onde termino. Sequer sei se existo, no sentido de ter uma existência nítida, com fronteiras definidas.Talvez o meu mundo seja o mundo da ambigüidade.

Drummond chamou a minha poesia de “múltipla”. É uma frase que ilumina mais uma existência poética do que muitos rodapés. Quando publiquei “Confissões de um Poeta”, Hélio Pellegrino me telefonou para dizer que ficou impressionado com o clima de procura que há em todo o livro. Como era psicanalista e poeta,Hélio Pellegrino disse que minha descoberta estava exatamente nessa procura.

Vivo nessa perpétua indecisão. O que me impressiona é que essa procura tenha durado tanto; não tenha acabado ainda”.

GMN : Há em seus textos uma certa obsessão com a finitude. Qual foi o primeiro espanto que o senhor teve diante da morte?

Ledo Ivo: “Venho de uma família numerosa. Tenho um irmão que morreu, o chamado “anjinho”, aquele que morre novo. Outro irmão meu, chamado Éber, morreu aos oito anos. Numa família nordestina,numerosa, a morte vive sempre rodeando as pessoas. Quando menino, eu gostava de visitar cemitérios. Mas censuro a morte ! .Como sou uma criatura do aqui e do agora,fico impressionado com a morte,porque ela faz com que a gente já não esteja aqui”.

Talvez venha da infância o sentimento de que a vida é provisória e instantânea.É um relâmpago. Além de tudo,há o mistério da existência : por que será que uns morrem cedo,outros morrem tarde e outros não morrem nunca ? “.

GMN : O senhor faz,em um de seus textos,uma referência a uma caminhada solitária pelas alamedas do Cemitério São João Batista. O que é que o senhor estava fazendo no cemitério ?

Ledo Ivo: “Devo ter ido me despedir de um amigo. Não fui para visitar o cemitério. O engraçado é que João Cabral escreveu o meu epitáfio em versos que ele nunca incluiu em livro. O que João queria era fazer um livro só de epitáfios de amigos. Terminou não fazendo.

João foi um grande amigo meu,mas tínhamos temperamentos diferentes. Enquanto ele ia para um lugar, eu ia para outro. Nunca nos encontramos - nem esteticamente. Dizia que eu falava muito; achava que só a morte é que me reduziria ao silêncio.
O epitáfio que João Cabral criou para mim é este :

“Aqui repousa
Livre de todas as palavras
Ledo Ivo,
Poeta,
Na paz reencontrada
de antes de falar
E em silêncio,o silêncio
de quando as hélices
param no ar “.

PS: A vida tem dessas ironias : lastimavelmente, João Cabral de Melo Neto, autor do epitáfio de Ledo Ivo, morreu há dez anos. Tinha 79 anos de idade. O poeta presenteado com o epitáfio precoce felizmente continua vivo. Ledo Ivo tem oitenta e cinco anos.
Fonte: G1

sábado, 31 de outubro de 2009

O sofista.

Eram mais ou menos sete e meia da noite quando seu Bartolomeu sentava-se em frente a TV. Tinha acabado de jantar e ele, ainda com seu rosto grave, cansado, sombrio. Assistia TV e tentava ler o jornal ao mesmo tempo. Dizia-se que seu cérebro tinha um fluxo de informações um pouco além do normal. Não era mais um inteligente, desses dedicados que encontramos por aí. Era realmente um homem culto, porém, rigoroso, de pouca conversa.
Sandra, sua filha, descia a escada arrumada para sair com as amigas. Esse era o pretexto. Sempre o mesmo. Cínico e vulgar até na idéia do engano. Não havia uma variação em suas mentiras, era sempre a mesma: - Vou sair com as meninas. Neste sair, ninguém sabia para onde. Se era para tomar um sorvete ou se iria a Plutão, tanto faz. Sandra ia sair e não era para ser questionada. Pelo menos era assim que ela sonhava, mas daí para realidade era um tanto diferente. Era mastigada diariamente pelo intelecto frio de seu pai, que extraia da menininha tola a verdade como que toma o doce de uma criança. Ele mesmo dizia para si em silêncio: - Minha tolinha é uma sofista! Quem diria? Assim ele mesmo ria das mentiras de Sandra, divertia-se um tanto, era verdade, mas jamais ninguém saberia desses segredos brincando nas câmaras mais abissais do seu íntimo.
Ao ouvir as sandálias estalarem piso de taco da escada e o perfume incomum o velho Bartolomeu fala como se recitasse um poema em voz alta:
- Você é a primeira pessoa que vejo que gosta de arrumar-se tanto para assistir TV com o pai!
Ela, estática, sente vibrar cada palavra como uma flecha. Não sabia o que dizer ao seu pai e já tinha de imediato, a idéia de sair de casa, aniquilada. Mesmo que tentasse retrucar a oratória seria um tropeço de contradições que nunca escapavam a mente atenta de seu pai. Percebendo o velho o efeito que tinha causado, emendou:
-Ou arruma-se para estudar...que confesso que é um tanto nobre!
Cada palavra do velho era um tanto profética, pesava no ar, infestava o ambiente de tal forma que até as paredes se constrangiam. Sandra após suspirar, desde as escadas e agindo pelo orgulho, que é bem provável que tivera herdado do pai cospe:
- Vê-se que o senhor não abre mão do direito do erro. O faz quase por profissão. Desci apenas para ajudar a mamãe na cozinha.
Sandra tinha um veneno na língua que era divertido. Podia atingir realmente outro tolo como ela, mas não seu pai:
- Muito adiantada para o jantar de amanhã minha filha. Fico orgulhoso de você. Mas é melhor você jantar logo, e por aqui mesmo. Caso contrário ficará com fome, e, como já sabe, não vai sair.
Acabava de confirmar o que já sabia. As amigas a esperavam na porta, mas, desta vez não teria descanso. A mãe observava um tanto submissa a situação. Como era comum, não gostava de conflitos dentro de casa e sempre era ela que harmonizava o clima denso que se disseminava na maior facilidade.
- Sandra, senta e vai comer um pouco. Deixa de conversar demais para evitar confusão. Se você estudasse direito não teríamos essas confusões aqui em casa.
Na ponta da língua escorre o veneno:
-É, seu meu nome fosse Kant ou Gasparov talvez o “povo” aqui dessa casa ficasse satisfeito.
No desespero da argumentação ela falava asneiras. Associava coisas sem nexo, mas que de certo modo, seu pai a admirava pelo modo como seu raciocínio se desenhava, mais movido pela fúria do que pela razão. Era como um quadro abstrato. Muitas vezes é até bonito pela violência das cores, mas muitas vezes incompreensível. A desgraça que ela achava terrível era aquele modo cândido que o pai falava. Parecia ter dois ou três cérebros: um para a TV que assistia, um para o jornal que lia e outro para respondê-la, que por sinal fazia com a maior facilidade. Ela que era um tanto “lógica”, sentia-se humilhada por isso. Justamente pelo fato de ser rebatida em suas palavras sem nem sequer merecer uma atenção maior.
Ao jantar, passa um bom tempo mirando aquilo que dizem ser tão importante para nossa vida que era sua família. Não se fala em família apenas pelos membros, mas sobretudo o lar. Essa palavra que contém tudo, desde os personagens, até as tralhas que os rodeiam e os compõem. Via em cada imagem da casa um rosto associado para ela. Aquela cozinha, com tolhas de plástico com estampas de peras, uvas e figos que nunca tinha comido, o fogão com os pés em ferrugem, a luz caravagesca entrando pela porta da cozinha vinda do quintal, as venezianas entreabertas. Tudo isso era sua mãe. Era meigo, romântico e ao mesmo tempo trágico, pois de imediato esse romantismo se defrontava:
- E a vida é só isso. Minha mãe nasceu para ficar fuçando aqui, numa cozinha, enquanto outros estudam, compram seus carros, viajam?
Essas reflexões provocavam certas violências internas. Algumas revoltas silenciadas, guardadas onde se pode guardar algum rancor do próximo, da vida, e até de Deus, como era o caso dela. No meio do jantar passa pela sala de repente em direção a porta. De imediato ouve a voz metálica do pai estalando pelas paredes até seus ouvidos. Quase um grito:
- Já falei que não vai! Volte e vá estudar.
Ela sorria como se desta vez tivesse uma adaga nas mãos:
- E qual o motivo digamos...filosófico, para que eu fosse estudar agora?
O velho prevendo algo que nunca tivesse ouvido, responde o de sempre, porém, desta vez com um certo temor:
- Para evitar ser essa mocinha fútil e contraditória como vem se mostrando. Como suas amigas que foram educadas como gado! Para evitar que me faça a mesma pergunta mil vezes...
Ela o sangra no pulso:
- Para evitar que seja uma qualquer numa cozinha, feito a mamãe?
A peçonha das palavras foi imediata. Ambos olhavam para a cozinha e lá estava a figura submissa da mãe a retirar do forno alguma coisa. O pai compreendera de imediato que fora atingido. O Cérebro trabalhava, mas as emoções confundiam-lhe. Antes que pudesse responder ela dá o último golpe:
- Boa noite sofista! Volto mais tarde. Não se preocupe.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A colheita


Eu colho a poesia que gravita
Em torno de mim, como frutos
Prontos, sempre a espera
De serem colhidos.
Como os átomos que circundam
Um núcleo perfeito, uma esfera.
Eu colho a poesia que levita
Que brada, que grita, que pal...pi....ta
Que rugi, que brilham as garras como uma fera
Eu colho a poesia singela
Que me cede uma dança
Que me canta uma valsa
Eu colho a poesia que me espera.
Imagem: Salvador Dalí. Óleo sobre tela, 1934.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Eu me vendo...por um verso para o sol.

Eu sei que sobrevivo, a estes corações urbanos
Ao brilho, deste mundo de vidro.
Eu sobrevivo, mesmo atingido
Por amores corrompidos
Por ilusões, compradas para sanar feridas
Por não poder mais sonhar,
Por não saber andar mais sem a brida.
Eu sobrevivo, a sordidez destes sorridos de prata
Ao fútil tido como meta a ser seguida.
Eu escapo, mesmo encurralado na pista,
Eu corro no asfalto, eu salto num vôo
Mas escapo deste teu modo de vida
Deste teu modo de brida
Para andar sem pressa,
Nessa única vida, que é a que me restou.
Sobrevivo, como um rebelde sem preço
Pois para me comprar...eu quero um verso sobre o sol
Um versollll, só para te lembrar...
Para você saber quem eu sou!

Foto: Gregória Correia

A arte dos vendavais


Campos de trigo com corvos-1890(julho)
Museu Nacional Vincent van Gogh, Amsterdam

O vento que açoita os trigais de Van Gogh

O vento que move as nuvens dos céus de Vermeer

O vento que move as velas Turner

O vento que move os delírios de Dalí

A brisa que sobra dos ângulos de Picasso

Que seca as banhistas de Renoir

Que faz a atmosfera de Francis Bacon um mormaço

Intragável, incapaz de respirar;

Vento bem ligeiro que beija-lhe

Que move os cabelos de Da Vince

Que move os cabelos da nativas,

De Paul Gauguin no Taiti.

Vento, vento vento...

Nota: Poema do tempo que eu perdia (ou ganhava) as madrugadas querendo ser Caravaggio, Dalí, Vermeer, Andrea Pozzo etc.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Amores certos talvez.

Há poemas de amor, decerto
Há poemas de paixões, talvez
Talvez não saiba fazê-los ao certo,
Por eles serem tão incertos, talvez

Talvez eu sofra de amores (de certo)
Talvez um deserto de amores sofri
O que sei é amo e sofro por certo
Uma justificativa terei

Amores não se explicam ao acerto
E se assim for amante não mais serei
Serei esse bárbaro que certo
Confunde o que é um amor eterno
Por uma fútil paixão na sintaxe do talvez.

Foto: Sanny

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Chora Maria

Chora Maria, chora tuas dores pela estrada
Chora pelo mundo perverso
Chora de verso em verso
Vendo teus sonhos partirem pelo cais

Chora Maria, teus prantos e pesares
Leves flutuam em todos os cantos
Leves levitam, evitam
Teus prantos-orvalhos voarem em umbrais

Chora Maria, teu peito de dores
Já não mais suporta
Teus olhos verdes sem cores
Tuas pernas sem passos estancadas no cais

Chora Maria, com sonhos em mordaça
Com a vista embaçada
Ao que era a pouco luz
E que agora são passos escuros
Nos mais obscuros umbrais.

Foto: Pandora

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Especulações sobre o futuro.

Quem me espera é um futuro de festim
Com aplausos ou pedradas estou chegando
Estou chegando sobre nuvens incolor
Estou chegando com uma flor no peito

Quem me espera no futuro nesses dias
Pois de noites e trevas já muito ruminei
Estarei para um trago, uma valsa, uma poesia
Estive em trevas, estou em planos e feliz estarei

Ah no futuro desse país refém de marte
Onde piras de pilantras flamejarão
Haverá o dia em que a arte
No viés do tempo me estenderá a mão

Ah, o futuro, o futuro enfim
É esse raio de sol que brinca agora
Furando o orvalho em cores de amora
Em cores verdes, amarelas, em cores sem fim

Foto: Carla Sousa
Obra: Hei de sentar-me na estrada.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Arte de verdade.

Há um remoer, um regurgitar, uma moenda de cismas no verdadeiro artista que suas caricaturas, seus copiadores não ousam alçar vôo. É um mastigar de vírgulas, um cheirar nos versos, é por o coração num prato branco e prová-lo em fatias, sentindo no paladar, pondo a prova o olfato, a visão, o tato, tudo enfim. É nisso que se faz o artista. Não só a exposição de sua arte, mas, bem antes disso a aventura em descobrir-se no silêncio, na treva, na reflexão solitária. Aí não há aplausos, não há possibilidade para erguer o ego. Há um deserto para desbravar. São poucos que se aventuram, são poucos que podem ser incluídos nesse bojo. O resto? O resto são ninharias. Sempre vão ocupar mais espaço que os verdadeiros e poucos artistas que existem. Nunca foi diferente, e nem será.
Imagem do post:Caravaggio
(Caravaggio, Lombardia, 1573 - Porto Ercole, 1610)

Pintor italiano. Homem de vida airada, Michelangelo Merisi estuda inicialmente em Milão com o maneirista Peterzano, contra cuja estética reage asperamente. Autodidacta no que se segue, a sua pintura suscita violentas reacções. Mas apesar das críticas dos artistas, o público aprecia as suas telas rugosas, encrespadas de pastosidades e dominadas pelo que a partir dele se chama «tenebrismo». Estabelece-se em Roma até que, obrigado a fugir por se ter envolvido numa sangrenta rixa, se refugia em Nápoles (1606). Percorre o Sul do país perseguido pela justiça até que vai para Malta (1607), onde é recebido na Ordem de S. João. Encarcerado um ano mais tarde por ofensas a um cavaleiro da ordem, consegue fugir para a Sicília e, dali, para Messina (1609). Regressa a Nápoles, até onde o perseguem os seus inimigos malteses, que o deixam gravemente ferido. Amnistiado por Roma, dirige-se a Porto Ercole, onde é detido por erro. Uma vez libertado, morre obscuramente (segundo certas versões, de umas febres).

A atitude artística deste pintor é de franca rebeldia contra os convencionalismos do momento. O estranho realismo de Caravaggio consiste não em copiar e observar a natureza, mas em contrapor o valor moral da prática ao valor intelectual da teoria.

O aspecto mais notável da sua obra é o tratamento da luz, que recebe o nome de tenebrismo. Consiste em projectar a luz sobre as formas com violência e em contraste intenso e brusco com as sombras. O seu precoce domínio dos efeitos claro-escuro (Caravaggio morre em 1610) marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial do estilo de Caravaggio é o naturalismo exacerbado como reacção face ao idealismo renascentista. Naturalismo que, por outro lado, não está em duelo com a grandiosidade da composição.

A este interesse naturalista respondem quadros de costumes como Mulher a Tocar o Alaúde e Jogadores de Cartas, pintados na sua primeira época. A plenitude do seu estilo encontra-se em cenas religiosas que trata com um naturalismo e um realismo quase insolentes. Tal é o caso de O Santo Enterro e de O Enterro da Virgem. Nesta última obra, a figura da Virgem é inspirada no cadáver de uma mulher afogada no Tibre e com o ventre inchado. A exposição pública deste quadro numa igreja choca com o gosto classicista imperante em Roma, e tem que ser retirado

A influência de Caravaggio sente-se poderosamente em Itália e no resto da Europa durante todo o século xvii, e os seus seguidores continuam a cultivar o tenebrismo e o naturalismo no século seguinte.

Cidade da Cultura, papai noel, o velho do saco e outras lendas.



Há dois tipos comuns hoje em dia em nossa sociedade. É o jovem gênio e o outro o jovem ingênuo. Hoje falarei apenas do primeiro caso. O primeiro tipo filho bem nascido da (pretensa) alta sociedade do Cariri (ou de outros locais que o mandam para fazer sua genialidade cá junto de nós) tem todos os atributos do gênio mesmo. O que recebe o Nobel, o que ganha a Palma de Ouro em Cannes, ou menos, o que recebe medalha no colégio (que é o mais comum). Só que a genialidade no Cariri hoje em dia ela é fácil, ela é criada assim, como o parto em um conto surrealista com a necessidade urgente de tapar um buraco psicológico dos seus pais e até de si mesmo. O gênio do cariri nasce antes da obra. Ele é um primo-irmão do Macunaíma.
Para tanto, o mesmo tem que estar entre os grandes da medicina ou do direito. Sabemos que sempre tais profissões tiveram seu devido valor na sociedade ao longo dos séculos, principalmente no interior do Brasil, onde assolado pela ignorância, os tais médicos e “aDevogados” tomavam ares de salvadores da pátria ( e muitas vezes eram mesmo), uma simbiose de Maomé com faraó, representantes de Deus na terra. Até hoje, no meio das brenhas, becos, avenidas ou vielas nunca se ouviu falar no gênio sociólogo, antropólogo ou historiador por aqui. Eram todos, meros zumbis destinados ao ofício do professorado. É no meio desse contexto que imporá o jovem gênio tolo que hoje desbrava a sociedade do Cariri. Ele quem rege os hábitos, quem dita o que se come, o que se bebe, e quando se bebe, o que se escuta, o que se (não) lê.
Bem vestido, munido de uma garrafa de whiski, um carro e um som, alto o bastante para mostrar sua tendência asnática, com sua plena (falta de...) compostura, “chega chegando” como se diz por aí. Passa pelas ruas como um cometa, deixando um resto de notas sonoras confusas (sorte quando são confusas, pois se você perceber algo ali certamente será alguma palavra do tipo: rapariga, cabaré, cachaça ou algo que equivalha o nível do ouvinte dono do possante). A vida então se resume a nada mais do que isso. Esse é o auge do gênio. Aí você poderá perguntar: - O quê? Mas é só isso? Só isso e nada mais! O gênio do Cariri, certamente o futuro de nossa sociedade, os pais que guiarão seus filhos daqui a uns anos são compostos disso. Mas daí surge outra pergunta: - E como se pede ter chegado a tal nível? Não estudam? Não são pessoas “bem nascidas”? A resposta dessa vez é um pouco mais complexa. O estado de coisas está assim justamente pela sustentabilidade numa falsa educação. Um bojo de conhecimentos técnicos postos em prática para o puro e simples deleite (ou segurança) econômico(a). Não se pode dizer aqui que a juventude não seja esforçada. São certamente. Tem impulsos de ganhar a vida, o mundo, e para isso estudam e muito. Mas, o que estudam?
O que se vê é uma massa de jovens onde noventa por cento não pensa em outra coisa a não ser um emprego. Em casa, a educação se baseia nisso. Em “estudar para ser gente”, e é do próprio berço que o caririense sabe que não passa de um animal abjeto. Um pote de moedas é sua educação. Quem junta mais é mais educado. Nisso, sua cultura está em se travestir de uma pretensa elite, copiando trejeitos dos mais banais, superficiais, ridículos e tolos(que souber dizer: bom dia, boa tarde e boa noite é educado). O vestir é uma segunda essência. Está acima de (quase) tudo. O charme baseado em sei lá o quê é sustentado psicologicamente como numa tragicomédia de extremo mau gosto. Isso pode ser visto em ambos os gêneros. Há o charme do vestir, do whisky falso, do carro, do som do carro, dos rodões do carro (aliás, tudo que gravita em torno do carro vale como parte essencial do seu âmago). Há aqui que se falar que o carro, objeto que aqui toma ares de oferenda dos Deuses. No nosso Cariri o carro diz muito não só sobre seu presente, mas, sobretudo sobre seu futuro (sexual), sua respeitabilidade. Por meio dele há uma valsa estranha onde homens regem a dança e boa parte das moças “bem nascidas”, avaliando mui bem o vestir, o beber, o carro...assim são escolhido seus pares.
As jovens (“bem nascidas”) tolas de Paris do século XVII e XVIII eram tolas que tocavam piano, liam romances, sabiam diferenciar um bom vinho, conheciam boa parte da história da arte, freqüentavam teatros etc. Vê o quanto avançamos! As nossas bem nascidas, com os mesmos trejeitos esnobes chegaram quase lá, recitam versos ilustres: Dinheiro na mão calcinha no chão, forró do Chico rola, quem vai comer a minha piriquita, aos largos goles do bom e falso whiski, com o varão ao lado, de copo na mão, como se tivesse ganho o Nobel e exibisse ao público. Hão de falar que o contexto é outro, e é claro que é! Não é por falta de esforço que chegamos a tal ponto. Tem que se querer descer ao inferno, e por ele ainda tirar uma onda com Dante: - Êeee carcamano! Tá com nada! Nós vamos mais fundo que vocês! E o pior é que vamos mesmo.
Culturalmente estamos num pântano sem a menor perspectiva de sairmos dele. Tem que veja o Crato como cidade da cultura dado ao notável número de artistas de boa qualidade que temos aqui e isso é algo que não podemos negar, porém, culturalmente sua arte não é percebida, ficando fechada a um pequeno ciclo que a percebe, e outro que faz de conta perceber. A verdadeira arte aqui não estabelece sua função social que era formar um ser humano melhor, desenvolvendo-o em sua percepção estética e filosófica (totalmente utópico na cidade da cultura).
A educação aqui, reflexo escravo do que se é tido como modelo de educação dos grandes centros, passa por essa prova. Não é capaz de formar cidadão algum, e é direcionada apenas para um futuro empregatício. É desumanizar demasiadamente o que se foi construído através de séculos de esforço na cultura ocidental achando que o único fim do aprimoramento humano através de seus estudos seja ter um emprego como finalidade. São com esses intuitos, desprezando o que seja a pintura, suas possibilidades de introspecção, de autoconhecimento, é rejeitando a música como arte nobre, capaz de formar um ser humano melhor, é fazendo troça do teatro, da filosofia e de tudo que possa trazer qualquer tipo de introspecção. É assim que vamos. E o pior, há quem pague (e não são poucos) por essa educação. A cultura de uma sociedade é algo que bem mais complexo do que apenas a existência da economia e do comércio. Aqui, é só o que existe. Uma cultura manca, mas muito bem vestida e galopante a passos largos em direção ao fosso. Há que diga que em alguma parte do que escrevi acima haja algum preconceito, algum recalque nas entrelinhas, mas resta a cada um o direito de ver o que quer de acordo com suas (im)possibilidades. Paciência.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vibrações da Realidade

No afã deste tempo que me recuso dizer contemporâneo
Os jovens estudam rapidamente e vencem o tempo (acham)
E possessos de um frenesi rasteiro, de um brincar na superfície do conhecimento
“Estudam”, e estudando hoje em dia se consegue se gente (de que tipo?)
Conseguem a passos largos com esforço desvencilhar-se de si,
Dos sonhos que pesam, e ao longo da marcha, ao partir do cais
Os sonhos vão sendo largados.
Não há espaço para sonhos na embarcação,
Há uma galeria de espaço imenso, que consome a via-láctea
Para pendurar os quadros falsos da realidade.
Os jovens do meu tempo, estão regidos por a ferrugem das mentes
Dos falsos profetas.
Numa orquestração de tolos marcham ao abismo,
De lá se jogam um a um, desperdiçando a única vida
Sob o comando da voz que brada e da batuta que corta o ar:
- Estudem paro o concurso, ou para o vestubular.
E na queda inútil, há dez segundos antes da morte,
Vem por assalto a poesia nos olhos: é um fim de tarde
Arde o sol, os pássaros, o cheiro do prado,
Faz graça o vento no rosto, na pele, nos cabelos...
Mas se esfacela no chão, na falência das mãos e pés quebrados,
No agonizante coração e nos ossos expostos do tornozelo.
O instante poético é raro, só na hora morte há de conhecê-lo.

Foto: Tang Hsueh Sheng

Alguma poesia resta...

O que conta no ruflar das horas
Finais de tua existência
É o quanto há de poesia
No íntimo do íntimo de tua essência

O cheiro que busca o faro
Ao passar do tempo
É a busca do quando do prado ficou
Em teu corpo até este momento

Se não viste nada, nada de lírios nos prados
Nada do lirismo nos versos ou na frente da tua vida
Nada, nenhuma suspeita?
Olha atenta ao verso
Que a tua vida espreita
Há poesia até na química complexa
No remédio que teu médico te receita.

Foto:Fernando Figueiredo
Título:Instrumento musical I-Na Poesia da Escrita

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

As rosas falam...e muito.

Poeminha em homenagem a Cartola

As rosas falam...e muito.
Cartola homem,
As rosas falam faz tempo!
Há na cor de cada pétala
Uma palavra para quem estiver atento.

Há rimas de pura magia
No bojo de cada corola .
Eu diria uma antologia
No âmago de cada rosa.
Há sim versos ali contidos
Como a magia do parto
Dos poemas como passe de mágica
Nasciam de tua cartola.


Foto: Milton Montenegro

A arte de viver hoje em “dia”.

Na vigilância dos sonhos,
Na arte de meus pecados
Crepita o que me é medonho
Salta aos olhos por meio de brados

Salta num real delírio
Exalando fragrâncias falsas
Como a fragrância do lírio
Sintético que trago no bolso da calça

Toma forma e corpo
Na argamassa dos músculos
Nos vergalhões dos ossos
Mentira erguida num esforço hercúleo

Toma formas de vida
Toma formas de arte
Percorre tantas veias
Marcha por toda parte

Assim,
Procura-se a verdade em forma de arrebol
Em face de tantas mentiras fadadas
Sigo então qual um girassol
Cego, perdido numa eterna madrugada.

Foto: Bruno Santos
Título: Quase um Girassol

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Quase plural - Solidão.

Amanhã, quando os românticos não serão tidos como tolos
Lembra-te de mim, que estou a professar teu nome desde já,
Que há tempos tateio tua face no escuro, que beijo teus lábios em sonhos na brisa.
Há tempos, tem sido Meca que oro em tua direção
Tem sido meu norte, minha perdição
Minha casa, minha sede, minha comida, minha utopia
Que alimenta minh’alma, na ração dos dias.
Há tempos, no empurrar das horas que seqüestram minha atenção
Tem sido o verbo, a vírgula, a exclamação!
No compasso dos dias que a febre exalta,
Para permanecer meus delírios por ti, sempre em retidão.
Há tempos que você sempre tenta, quase plural
Há...eu solidão.
Há tempos... que eu sei que você é um mundo, espaço e tempo em transformação.

Foto: Ana Rita Rodrigues
Título: O tempo passa o amor não.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

S(C)em palavras, apenas com pontos.

Eu grito, pois minha voz já muito
No exílio esteve.
E assim tive dias de fome,
E noites infinitas de sede.

Onde meus verbos, quase todos alvejados,
Mesmo que tão famintos,
Na altivez do próprio instinto
Sangravam rosa nos prados.

Eu brado, pois, até minhas vírgulas
Quase imóveis, cheias de feridas,
Choravam, e em cada partícula
Do seu pranto nasciam margaridas.

E mesmo na altivez da teimosa,
Exclamação!
Cede com cautela a sua vez,
Ao ponto de interrogação. (?)

Foto: Fotografamador
Fonte: http://olhares.aeiou.pt/palavras_e_mais_palavras_foto730799.html

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Teoria da Relatividade

Há sempre o gênio que irrompe
Com violência o próprio tempo
Com a rapidez de quem consome
E espaço tal qual o vento

Meu tempo nem sempre é hoje
Nem tampouco amanhã seria
Meu tempo é atemporal
Nos ponteiros da poesia

Com vigas de versos paraplégicos
Sobre um terreno arenoso
São poemas às vezes letárgicos
Qual um fruto venenoso

Sem tempo portanto, para tantas vitórias
Eu ainda procuro nos becos
Montado no verbo em seu dorso
O tempo de minha própria glória!

Eu ainda procuro
Com lupas seculares
Erguer sonetos no escuro
Para quem os puder enxergares

Há sempre o gênio que irrompe
Com violência o próprio tempo
Que o diga qualquer poeta,
Primo-irmão do vento.

Foto:Daniel Pedrogam

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Incursões na Alma

Eu, homem feito, condenado pela eternidade
A carregar esta carcaça “bigornocorpórea”
Sobre meu coração-libélula de criança

Ainda, pelas madrugadas insones
Gemo num uivo surreal
Debatendo-me sobre as correntes
Que me agrilhoam as pernas finas, falidas de músculos
Que atam os braços finos e cabeludos
Como os átomos que gravitam a valsar
Na camada mais externa do meu ser

Eu, homem feito, na força explosiva do meu peito
Em transmutações violentíssimas
Re(volto) grido a mais tenra infância
Onde, quando rei, libertava pelos ares meus súditos
A declamar poemas...homens, mulheres e crianças.

Foto: Lino Matos

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Sem poesia

Aqui, bem aqui, onde as plumas valsam ao sol do meio dia
Aqui, onde as vagas não chegam, onde as gotas não caem
O tempo é sol, e sendo este dia e noite protagonista da dor,
Pai do medo e da fome, não sobraram poetas para cantá-lo.
Aqui, bem onde desconfio ser o coração do sol
Não existem Leminsks, não cantam Jobins
Dalís morrem ao primeiro raio de realidade
Cá, somente valsam viventes com almas em frangalhos
Olhos secos de arte, cegos de fome, fome, de quem não come mais as migalhas
Sequer de um só sonho. Medonho!
Aqui, onde a lua é mera tolice, luz boba e teimosa, inútil.
Útil seria cá entre meus dedos, para torcê-la,
Assim como fiz nas carnes de Maria, e a vi gemer...
Assim queria-a, entre meus dedos para ver se ela me gemeria
Um só gole d’água, para uma garganta sedenta, fomenta e atordoada pela realidade.

Foto: Deise Rezende

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Conversas com o Ego

Eu quando rei! Não não não...quando quis ser...
Aliás, eu não queria. Era meu ego.
Eu, numa outra vida, quando cego, nas ruas de Roma ...não não não
Este meu ego não é quem dome. Flagrei-lhe posando de cego para mostrar-se sábio...
Eu, ainda hoje, muito tolo, quando muito, as vezes não minto
Mas muito (in)discreto brado aos sussurros entre goles de rum o nome,
Finalmente meu nome: Sávio

Foto: Daniela Vasques

Entre vinhos e versos perversos

Noite de vinho e de versos
De goles de trevas, de vagas se solidão
Sobre mim.

Tempo de liras e ébrios
Que furtam os prazeres entre dores,
Que furtam cores entre noites
De cinzas

Goles de vinhos, olhos, pérolas ao fitar
Pernas entre valsas, laços entre mãos
Carnes entre dentes a gemer
Carnes em espasmos a gozar

Vinho que me embala entre sonhos fortuitos
Vinho que intuito é me embriagar
Vinho que valsa entre delírios
E eu entre lírios, sentindo as vagas
Do mar ao me acordar

Foto: Rodrigo Mizumoto

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Amor. Teatro de Revista

O amor é coisa simples, é uma valsa adocicada
Um fim de tarde com as réstias de sol vinda dos quintais
Invadindo a cozinha.

O verdadeiro amor sempre me lembra um fim de tarde.
Eu copiando os quadros do Renoir aos dez anos de idade
A chuva de verão, a faca sangrando os figos para o sabor dos olhos,
O cheiro de domingo, a ânsia pelo momento certo de cruzar olhares
De enlaçar línguas, de invadir-se em cheiros

É calma a esperar o soneto que guardo aqui,
Pacífico e revolto, na véspera de sair entre os dedos
Como se corressem feito o suor em meu corpo

É o voo das folhas, o passo da moça
A perna morena, a violência do olhar.
O negar-se por outros, é o chegar no momento
É um tormento tão doce, e se assim não foste, não era amar.

Foto: Mário de Oliveira

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Bernard Cornwell

por Solange Fonzar, colunista ONNE

Best seller virá ao Brasil para participar da Bienal do Livro do Rio

Considerado um dos mais importantes escritores britânicos da atualidade, o best seller Bernard Cornwell virá ao Brasil para participar da Bienal do Livro do Rio de Janeiro. O bate papo denominado, Mundos Históricos, Mundos Imaginários, acontecerá no Auditório Euclides da Cunha no dia 11 de setembro às 19h30, e terá como mediadora Celina Portocarrero.

Com mais de 40 livros publicados em mais de 16 idiomas, o autor é apaixonado por história e se destaca por misturar em suas obras, autenticidade histórica com personagens fictícios. Seus romances alcançaram rapidamente o topo das listas de mais vendidos em vários países, com mais de 4 milhões de exemplares comercializados em todo o mundo.

Além da participação no evento, a vinda do escritor ao Brasil lançará oficialmente seu novo romance, Azincourt. O livro narra a história do arqueiro inglês Nicholas Hook durante a batalha Azincourt, uma das mais grandiosas da História. Segundo informações divulgadas pelo próprio autor, o lançamento do livro é uma grande realização pessoal, pois Cornwell sempre quis escrever sobre o tema.


(Foto: Divulgação)

Veja a seguir a lista do que já foi publicado no Brasil:

• Azincourt, O Condenado e Stonehege - Grandes obras, que não pertencem a nenhuma trilogia ou série.

• A trilogia As Crônicas de Artur (O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus, Excalibur) – Considerado o melhor trabalho do autor e também seu favorito, o livro conta a lenda de Artur sob um ponto de vista historicamente possível.

• Trilogia A Busca do Graal (O Arqueiro, O Andarilho, O Herege) - Em plena Guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra, o arqueiro inglês Thomas de Hookton cai na trilha do lendário Santo Graal e quer vingar a morte de seu pai assassinado.

• Série As aventuras de Sharpe (O Tigre de Sharpe, O Triunfo de Sharpe, A Fortaleza de Sharpe, Sharpe em Trafalgar, A Presa de Sharpe, Os Fuzileiros de Sharpe, A Devastação de Sharpe, num total de 21 livros, sendo 14 ainda inéditos no Brasil) - Os livros são sobre as aventuras do personagem Richard Sharpe no exército britânico durante o período Napoleônico, desde recruta na Índia até se tornar tenente-coronel em Sharpe's Waterloo.

• Série: As Crônicas Saxônicas (O Último Reino, O Cavaleiro da Morte, Os Senhores do Norte, A Canção da Espada e The Burning Land, ainda não lançado no Brasil) - Os livros narram a invasão dos Vikings na Inglaterra do século X, a história de Alfredo, o Grande vista pelos olhos de Uhtred, aristocrata inglês educado por vikings.

Fonte: http://msn.onne.com.br/cultura/materia/10287/bernard-cornwell

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Rua

Rua, nua de tortuosas imagens que percorrem teu coração
Rua, veredas tuas tão vorazes que me erguem ilusões
Rua de caminhos estreitos, eu que me perco em teus eixos
Que temo os dentes de tuas feras na esfera que vejo o futuro
Em cima do muro, como a cigana que leu a minha mão.

Trincheiras interrompem mil passagens onde findaram meus planos
Ando, em rumo incerto certo que estou perdido nas quimeras mais medonhas
Sonhando com essas minhas vadiagens que me deram tantos danos
Manco, por tuas ruas e avenidas que de certo também está perdida
Como um ciclope em um tufão.

Vêem-se ruas novas e esburacadas, vê-se que sofres tão caladas
Nessas urbes onde turbas tão dantescas movidas só pelos desejos
Foram por vezes o ensejo, o mote que vós tão bem rebatia
Com um solfejo de alegria, como uma mentira necessária
Como uma maquiagem de cor púrpura sobre a face anêmica.

Ruas, onde me levas não sei, não sei de nada
Por tuas bussolas obsoletas, perco-me em tuas setas
Que só me levam aos labirintos, dos teus mais feios instintos
Só me levam ao alçapão de teu coração

Foto: Fernando Jorge Lima
Fonte: http://olhares.aeiou.pt/rua_direita_de_viseu_foto1344192.html

sábado, 8 de agosto de 2009

A origem da minha espécie

Filho das palavras que truncam
Dos risos negados
Das regras que burlam
O que me foi tão negado

Filho das putas que gozam
Filho das rosas nos prados
Das lâminas das facas que podam
O que outrora foi sonhado

Filho de um câncer que come
Os nervos feitos d'aço
Filho da coragem que some
Filho das chagas e do cansaço

Venho da utopia mais rala
De quimeras medonhas
Ergo com a força motriz de quem sonha
E da placenta do impossível renasço

Imagem: Marcos Moreno
Site:http://br.olhares.com/bebe_del_desierto_foto2637692.html

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Mulher

Surgiste dos vapores da terra, das luzes do sol, dos mistérios da lua
Singular surgiu dos acordes das músicas, do rimar de meus versos
Surgiste então das trevas, das brumas com olhares perversos
Surgiste com o poder onipotente que eu como poeta, só tu'alma possua

Surgiste dos alísios soprados nas serras ou de um tufão
Das pétalas jogadas ao chão, das liras dispersas
Surgiste dos deuses gregos, maias, dos incas, dos persas
Surgiste como bálsamo para as chagas do malsão

Melaste com a cor de teus olhos, com calor de teu hálito
Com as mãos quais pétalas de uma flor singular
Surgiu em minha vida como a água em um páramo
Com as luzes que por milagre surgem numa treva sem par.

Foto: Geisa
Fonte: http://br.olhares.com/alma_de_mulher_foto1102719.html

quarta-feira, 29 de julho de 2009

QUASE LIBERDADE

Embora pouco, ainda tenho muito pensado
Na pena das asas dos anjos que tornam
A tocar minha face quando sonho,
Num sonho de bêbado onde as putas recitam poemas
Onde poetas recriam os mundos
Dourados como a cárie dos dentes dos bêbados
Que palitam sob a luz da lua,
Sob o som dos ratos, som da lembrança
Das danças fugazes, das valsas que dançastes
Entre moças e rapazes em sua velha juventude

Embora o acaso dos dias infindos
Onde sóis e luas carcomem o meu rosto
Onde letras carcomem meus olhos
A mente burila idéias de fuga dos mundos
Onde bigornas nos bolsos carrego
Onde grilhões me mordem os passos
Onde juízes me podam pecados

Eu voo, embora me queiram por perto
Eu voo, embora sorriam os gênios sem obras
Embora não exista Lei Áurea para casos perdidos
Para mendigos, putas ou bêbados,
Existe o sorriso que teima na treva
Existe para nós o que jamais tu percebeste
Um veneno mortal ou uma chave que nos dá asas
Chamada poesia.

Embora pouco, ainda tenho muito pensado
Embora peso, ainda muito tenho voado.

Imagem: Antonio Mateus
Fonte: http://br.olhares.com/

quarta-feira, 22 de julho de 2009

POEMA DE AMOR DE UM POETA FRIO

Eu que da placenta das quimeras
Arranquei meu sonho mais realista
E de lá, feito um pássaro ligeiro
Saiu você, nívea feito à nuvem,
Púrpura feito o entardecer,
Quente, de olhos negros
Feitos meus pensamentos mais tenebrosos

Nasce do pântano das minhas dores
Do balsamo das minhas ilusões
Dos delírios das minhas chagas
Achas neste pântano de fuligens
Uma alma tristonha, mas um coração em flores

Achas um rosto trigueiro e frio
Mas que não reflete em sua tez
A altivez do meu próprio brio
Pois amor surge em mim como bálsamo,
Uma gota de cada vez.

Imagem: André Ulysses de Salis

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Para que eu possa levitar

Poesia me leve para que eu possa levitar
Me leve para que eu possa sofrer
E depois vir te contar
Me leve nessa valsa, me leve nessa dança
Me solte desse grilhão para que eu possa
Nessas tuas tranças me enforcar

Poesia sorrir, me mostra teus dentes
Para que eu possa te mastigar
Para que possa te beber, mesmo sem te entender
E assim depois de tantos goles
De estrelas cadentes, de noites errantes
Eu possa levitar

Poesia me leve a escrever
Para que eu possa me libertar.

Foto: Alberto Orbegoso
Fonte: http://br.olhares.com/el_balet_municipal_de_lima_foto1221942.html

segunda-feira, 29 de junho de 2009

UNIVERSAL

O universo se estende sobre meus olhos
Como as chitas balançam ao sabor dos ventos no varal
E assim como colho a maçã e firo-a para ter seu sabor
Eu caminho passos errantes sobre a terrra,
Para que possa setinr-me universal.

Foto: Isadora Persone
Fonte:http://br.olhares.com/varal_foto1602050.html

terça-feira, 2 de junho de 2009

QUASE DELÍRIO

Eu que prometi jamais verter novamente meu olhar sobre ti
Voltei ao túmulo das ilusões perdidas
Voltei a agoar os lírios que outrora foram arrancados pela raiz
Voltei ao cocho antigo em que voavam prazeres onde bebia-os como uma fera sedenta
Cá estou, fronte de ti, musa dos pecados e dos desejos que ainda latejam
Latejam embora o pulso fraco, embora minuano e não vendaval
Embora polegadas, e não passos largos em direção ao horizonte


Eu que prometo com a mesma facilidade que desfaço promessas
Prometo que nunca mais retorno aqui, Íris de meus sofrimentos
Brida que me guia por falsas esperanças, com olhares de isca
Com trejeitos de ser minha, embora esteja apenas ao alcance de meus olhos
Delírio eterno jamais interrompido...
-Oi! Boa tarde.
Assustado acordo e respondo com um sorriso discreto:
-Boa.
-Mais café senhor?
-Não, não. Estou de saída... De saída...
... De saída para nunca mais voltar, até o próximo fim de tarde.

Foto: Pedro Monteiro

segunda-feira, 4 de maio de 2009

VALSA

Num canto escuro sob a luz da lua magra,
Sob a ponta das estrelas que me prendem feito alçapão
Muita lágrima respinga
Palavras lindas para lavar meu coração

Assim danço essa valsa incerta
Assim te faço tão perplexa
Assim deserto ermo dessa causa
Causa incerta, certa feito uma procissão

Caminhada com hordas em busca de teu coração
Dança essa valsa lindaDança essa valsa e limpa
Com jorros de lágrimas o teu, que também é o meu coração.
Imagem: A valsa.
Escultura de Camille Claudel

segunda-feira, 20 de abril de 2009

CANSADO

Eu que tenho muito a dizer
Que por mil porquês sempre fico calado
Cansei dessas primaveras cratenses de flores murchas
Cansei de crepúsculos nos prados
Dos contos, de histórias e de bruxas

Cansei da roda-viva no ataúde
E que nesta cidade, em amiúde debulham meus pecados
Eu, que já não me desvio dos dardos
Não suporto os tiros de carabina

Eu que sorrio de boca aberta na neblina
Que danço balés nestas ruas
Que nuas abrem as penas para mim.
Eu, que outrora atingido por mil carabinas
E pela chuva de canivetes dos pivetes
Hoje, como poeta, decreto que tudo que é fogo vire neve
E que tudo que me atinja seja de festim

Foto: Gabriel Gonçalves

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Não vale mais

Não há mais porque cantar,
Nem porque colher rosas nos jardins
Nem reagir a piscadela do olhar
Não há voz, nem flores a colher nem moça para piscar

Agora não há mais porque chorar,
Nem porque lê os sábios, ou as sabiás.
Ninguém com olhos para ouvir,
Tampouco porque bradar.

Nunca houveram sábios tão tolos
E tão roucas as sabiás.
Não há mais nesses tempos "modernos"
Um só motivo para se poder amar
As vidas se resumem a tolos estudos em mil cadernos
E um batalhão de insensíveis querendo se empregar.

Não há mais a violência do beijo
A meiguice de um tapa pelo descontrole dos ciúmes
Há sim o cume da indiferença
Que é a mais nova crença: creio no que tenho, no que compro.
Creio mais no brilho da faca do que no sabor do queijo!

Foto: Ana Rita Vaz Cruz
Fonte: http://br.olhares.com/

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Fragmens

Segunda-feira, dia 13 de abril pelas 20h, inaugura a exposição ‘Fragmens’, por Rogê Venâncio

Fragmens
Análise por Renato Dantas (Ator e Diretor Teatral)

A modernidade construiu o homem vendo-o nas relações sociais baseadas na dualidade capitalismo x socialismo, promovendo uma dialética ética e estética, onde a proposta de um homem novo não chega a termo, visto que a queda do muro de Berlim sinaliza uma terceira via. A arte, testemunha e propositora de mudanças, desconstrói o homem e o mostra numa perspectiva pós-moderna.
Através do visual, ‘Fragmens’ aponta caminhos que podem ser percorridos pelo gênero humano, onde a arte seria o norte do reinicio de pesares e fazeres da mulher e do homem pós-moderno..
Aí é que Rogê Venâncio propõe novos rumos para este homem, desconstruindo seres e coisas para apresentá-los como proposituras através da colagem.Com as séries: ‘Juazeiro a cena da fé’, ‘Desconstrução’ e ‘Fragmentos’, em um total de treze obras, o artista clarifica a sua intenção no ver o passado, andar junto ao presente e vislumbrar um futuro.
Juntando elementos analíticos (concretos e abstratos) propõe em sua reconstrução uma síntese onde as coisas e os seres se ressignificam, mostrando protótipos de um novo homem, uma nova sociedade.
A desconstrução de Rogê constrói outros rumos.
Fonte: www.olharcasadasartes.blogspot.com

quinta-feira, 2 de abril de 2009

PRAZERES MÓRBIDOS

No trovejar da noite
Nos delírios do gozo
Eu sobrevivo junto da ossada dos transeuntes
No bojo dos pecados, no bico do seio
Na paz das pombas,nas línguas das gírias das putas,
Na luz de suas grutas, fontes de tesouros
Onde de gozo em gozo reluz o ouro
Sobre a face faminta da solidão.
Foto: Paulo Almeida (Pasma)

RÉQUIEM PARA UM CRATO MORTO-VIVO


Quando debruçares o olhar sobre o dorso das montanhas
Quando tuas entranhas revirarem-se de ódio
E tuas façanhas e tuas magias te projetarem ao feio pódio
Estarei olhando bem de longe teus pecados
Tua fisgada no anzol da cobiça
Teus demônios lançando aos céus o furor do champagne e da cortiça
Para em breve te cobrar em fardos.
Estarei muito longe, a ver a luz bruxelante apagar-se,
A ver anoitecer em teu coração e as trevas densas
De tão intensas, porem as mãos do glaucoma em tua visão.


Foto: César Prata
Fonte:
http://br.olhares.com/

quarta-feira, 1 de abril de 2009

FAZER O QUÊ?

Fazer o que, se não há o que dizer
Vai sair, nova estrada, novos rumos
E sem rumo eu vou andar por aqui
Sem mais ter o que fazer, só olhar você sumir num horizonte sem fim.

Mas há de olhar, neste teu ser,
Que ainda estou dentro de ti
Como sol a ter esquentar e te fazer brilhar
Um bilhar inquieto dentro de ti

E ventará, um só soprar, estas cinzas para longe
De você, de mim. Pois em vou estou eu,
E você está eternamente dentro de mim.

Não adianta ir, pois como um sol,
Estou eu dentro de ti, dentro de ti.

Imagem: William de Bouguereau.