terça-feira, 27 de janeiro de 2009

UNI VERSOS EM MINHA MÃO


Sim, eu vi cometas na palma de minha mão
As esferas...fera em fera farejando a mim
Não, sim, são passos vindos do porão
São passos para o abismo. Estou chegando ao fim?

Cometa crimes, mas não por minhas mãos
São tragédias que ainda estão por vir
Cigana, se enganas que inda sou malsão
Vão, mil chagas se alojando em mim

Saturno entre os dedos, Netuno em segredo
Urano paira no dedo mindinho
Vênus que é de morte, Júpiter com muita sorte
Ora pela Terra, que rola nas linhas da minha mão
Nas linhas da minha mão, é meu começo, meio e fim

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Olho de Mulher

Os joelhos sobre a areia
Palmas das mãos, hora juntas, hora na face a aparar as lágrimas
A fé trincada entre os dentes, no brilho perolado do negro olhar.
Olhar que mira o céu, catando migalhas de nuvens.
Que os dilaceram em sua branquidão

Os joelhos sobre a areia
Agora dourada pelo tingir de lágrimas
Um sofrimento eterno
Assim como a eterna luta em manter-se vivo

De pé, cabo da enxada sobre o ombro.
E homem que a pouco era escombro
Ergue-se e fere a terra agora pelos passos

Passo a passo com a solidão,
Ombro a ombro com Deus,
Dores aos montes, e ele some num horizonte,
Fonte de um homem de coragem e orgulho sem fim.

Saudades dos homens de verdade e medo aos de festim

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

SONO


No meio da noite, após a nevoa e a bruma,
Saio para ver as ruínas dentro de mim...
Passo a pisar, e ver as estátuas degoladas.
O brilho do mármore aos pedaços refletindo a luz da lua.


Passos sobre os pântanos, restos do que foram esperanças.
Passos, lances e relances aparecem, como reflexos do que pouco lembro da minha infância
Pântanos de sangue, dores escondidas.
Feridas, abertas, arroios quase eternos. Tempos sombrios e ermos


Um passado tão presente dentre os futuros em mim
Luz ao longe, e o vôo da fênix.
O ar tangido por suas asas tocam meu rosto

O gosto volta a boca, a vista devasta a imensidão.
Dão passos o tato, o cheiro circula-me...
Há vida enfim, após a escuridão...Dentro de mim, dentro de mim...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

CONFISSÕES NOTURNAS


A mercê da horda de pecados que me perseguem.
Peco, com o ar triunfal de uma vitória hercúlea,
Peco, com o olhar sedutor no tango,
Eu manjo que peco quando a carta paira na manga.


Ao sabor do olhar sob o véu,
Das mãos sedentas de corpos nus.
Sou o vodu, das nuvens vagabundas no céu,
Sou o réu confesso que detesto este céu azul.


Estou de asas abertas no meio da noite densa,
E ai de quem pensa que os lupanares me possuem.
Estou perdidamente sob controle, e não há quem me vença,
Não há quem vença esta corja de vícios que me constroem.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Meninos Carvoeiros

Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
— Eh, carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

— Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles . . .
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

—Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
desamparados.


Manuel Bandeira
Petrópolis, 1921

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

QUEM?

E quem diz do espectro do homem moderno?
E quem fala das danças das fadas de facas em punho?
Quem canta aos brados seus mortos no inferno?
E inferno é estar num coração vagabundo?

Quem surge das cinzas e dos nacos de nuvens?
Quem surge da gota do sangue que infecta?
Quem trepa nos galhos, nos paus atrás dos muros?
Que espinhos a tua retina espeta?

Que leis que te regem, te apedrejam no escuro?
Que curas, que asas tu espera que te levem?
Quem pensas que sois covarde, em cima de um muro,
Que há tempos o entulho só espera que o carreguem?

VERDES FIGOS

O figos estão verdes meu caro
E não adianta fomento colhê-los
Desde a primeira dentada o dente não brilha
O ar não infesta de cheiro
O doce é muito raro
As figueiras pendem ao som dos vendavais
Prenúncio de chuvas, ânsia no peito
A terra carece dançar alegre
Com seu corpo em febre pelo fogo de mil carnavais
E chega assim cada gota tingindo a terra
E sorrí a folha que se faz lavada
Sorrí o caule, todo corpo, enfim a gleba
Sorrí todo mundo numa dança para frutificar
Para o nascer do fruto, para a razão de tua dentada