sábado, 31 de outubro de 2009

O sofista.

Eram mais ou menos sete e meia da noite quando seu Bartolomeu sentava-se em frente a TV. Tinha acabado de jantar e ele, ainda com seu rosto grave, cansado, sombrio. Assistia TV e tentava ler o jornal ao mesmo tempo. Dizia-se que seu cérebro tinha um fluxo de informações um pouco além do normal. Não era mais um inteligente, desses dedicados que encontramos por aí. Era realmente um homem culto, porém, rigoroso, de pouca conversa.
Sandra, sua filha, descia a escada arrumada para sair com as amigas. Esse era o pretexto. Sempre o mesmo. Cínico e vulgar até na idéia do engano. Não havia uma variação em suas mentiras, era sempre a mesma: - Vou sair com as meninas. Neste sair, ninguém sabia para onde. Se era para tomar um sorvete ou se iria a Plutão, tanto faz. Sandra ia sair e não era para ser questionada. Pelo menos era assim que ela sonhava, mas daí para realidade era um tanto diferente. Era mastigada diariamente pelo intelecto frio de seu pai, que extraia da menininha tola a verdade como que toma o doce de uma criança. Ele mesmo dizia para si em silêncio: - Minha tolinha é uma sofista! Quem diria? Assim ele mesmo ria das mentiras de Sandra, divertia-se um tanto, era verdade, mas jamais ninguém saberia desses segredos brincando nas câmaras mais abissais do seu íntimo.
Ao ouvir as sandálias estalarem piso de taco da escada e o perfume incomum o velho Bartolomeu fala como se recitasse um poema em voz alta:
- Você é a primeira pessoa que vejo que gosta de arrumar-se tanto para assistir TV com o pai!
Ela, estática, sente vibrar cada palavra como uma flecha. Não sabia o que dizer ao seu pai e já tinha de imediato, a idéia de sair de casa, aniquilada. Mesmo que tentasse retrucar a oratória seria um tropeço de contradições que nunca escapavam a mente atenta de seu pai. Percebendo o velho o efeito que tinha causado, emendou:
-Ou arruma-se para estudar...que confesso que é um tanto nobre!
Cada palavra do velho era um tanto profética, pesava no ar, infestava o ambiente de tal forma que até as paredes se constrangiam. Sandra após suspirar, desde as escadas e agindo pelo orgulho, que é bem provável que tivera herdado do pai cospe:
- Vê-se que o senhor não abre mão do direito do erro. O faz quase por profissão. Desci apenas para ajudar a mamãe na cozinha.
Sandra tinha um veneno na língua que era divertido. Podia atingir realmente outro tolo como ela, mas não seu pai:
- Muito adiantada para o jantar de amanhã minha filha. Fico orgulhoso de você. Mas é melhor você jantar logo, e por aqui mesmo. Caso contrário ficará com fome, e, como já sabe, não vai sair.
Acabava de confirmar o que já sabia. As amigas a esperavam na porta, mas, desta vez não teria descanso. A mãe observava um tanto submissa a situação. Como era comum, não gostava de conflitos dentro de casa e sempre era ela que harmonizava o clima denso que se disseminava na maior facilidade.
- Sandra, senta e vai comer um pouco. Deixa de conversar demais para evitar confusão. Se você estudasse direito não teríamos essas confusões aqui em casa.
Na ponta da língua escorre o veneno:
-É, seu meu nome fosse Kant ou Gasparov talvez o “povo” aqui dessa casa ficasse satisfeito.
No desespero da argumentação ela falava asneiras. Associava coisas sem nexo, mas que de certo modo, seu pai a admirava pelo modo como seu raciocínio se desenhava, mais movido pela fúria do que pela razão. Era como um quadro abstrato. Muitas vezes é até bonito pela violência das cores, mas muitas vezes incompreensível. A desgraça que ela achava terrível era aquele modo cândido que o pai falava. Parecia ter dois ou três cérebros: um para a TV que assistia, um para o jornal que lia e outro para respondê-la, que por sinal fazia com a maior facilidade. Ela que era um tanto “lógica”, sentia-se humilhada por isso. Justamente pelo fato de ser rebatida em suas palavras sem nem sequer merecer uma atenção maior.
Ao jantar, passa um bom tempo mirando aquilo que dizem ser tão importante para nossa vida que era sua família. Não se fala em família apenas pelos membros, mas sobretudo o lar. Essa palavra que contém tudo, desde os personagens, até as tralhas que os rodeiam e os compõem. Via em cada imagem da casa um rosto associado para ela. Aquela cozinha, com tolhas de plástico com estampas de peras, uvas e figos que nunca tinha comido, o fogão com os pés em ferrugem, a luz caravagesca entrando pela porta da cozinha vinda do quintal, as venezianas entreabertas. Tudo isso era sua mãe. Era meigo, romântico e ao mesmo tempo trágico, pois de imediato esse romantismo se defrontava:
- E a vida é só isso. Minha mãe nasceu para ficar fuçando aqui, numa cozinha, enquanto outros estudam, compram seus carros, viajam?
Essas reflexões provocavam certas violências internas. Algumas revoltas silenciadas, guardadas onde se pode guardar algum rancor do próximo, da vida, e até de Deus, como era o caso dela. No meio do jantar passa pela sala de repente em direção a porta. De imediato ouve a voz metálica do pai estalando pelas paredes até seus ouvidos. Quase um grito:
- Já falei que não vai! Volte e vá estudar.
Ela sorria como se desta vez tivesse uma adaga nas mãos:
- E qual o motivo digamos...filosófico, para que eu fosse estudar agora?
O velho prevendo algo que nunca tivesse ouvido, responde o de sempre, porém, desta vez com um certo temor:
- Para evitar ser essa mocinha fútil e contraditória como vem se mostrando. Como suas amigas que foram educadas como gado! Para evitar que me faça a mesma pergunta mil vezes...
Ela o sangra no pulso:
- Para evitar que seja uma qualquer numa cozinha, feito a mamãe?
A peçonha das palavras foi imediata. Ambos olhavam para a cozinha e lá estava a figura submissa da mãe a retirar do forno alguma coisa. O pai compreendera de imediato que fora atingido. O Cérebro trabalhava, mas as emoções confundiam-lhe. Antes que pudesse responder ela dá o último golpe:
- Boa noite sofista! Volto mais tarde. Não se preocupe.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A colheita


Eu colho a poesia que gravita
Em torno de mim, como frutos
Prontos, sempre a espera
De serem colhidos.
Como os átomos que circundam
Um núcleo perfeito, uma esfera.
Eu colho a poesia que levita
Que brada, que grita, que pal...pi....ta
Que rugi, que brilham as garras como uma fera
Eu colho a poesia singela
Que me cede uma dança
Que me canta uma valsa
Eu colho a poesia que me espera.
Imagem: Salvador Dalí. Óleo sobre tela, 1934.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Eu me vendo...por um verso para o sol.

Eu sei que sobrevivo, a estes corações urbanos
Ao brilho, deste mundo de vidro.
Eu sobrevivo, mesmo atingido
Por amores corrompidos
Por ilusões, compradas para sanar feridas
Por não poder mais sonhar,
Por não saber andar mais sem a brida.
Eu sobrevivo, a sordidez destes sorridos de prata
Ao fútil tido como meta a ser seguida.
Eu escapo, mesmo encurralado na pista,
Eu corro no asfalto, eu salto num vôo
Mas escapo deste teu modo de vida
Deste teu modo de brida
Para andar sem pressa,
Nessa única vida, que é a que me restou.
Sobrevivo, como um rebelde sem preço
Pois para me comprar...eu quero um verso sobre o sol
Um versollll, só para te lembrar...
Para você saber quem eu sou!

Foto: Gregória Correia

A arte dos vendavais


Campos de trigo com corvos-1890(julho)
Museu Nacional Vincent van Gogh, Amsterdam

O vento que açoita os trigais de Van Gogh

O vento que move as nuvens dos céus de Vermeer

O vento que move as velas Turner

O vento que move os delírios de Dalí

A brisa que sobra dos ângulos de Picasso

Que seca as banhistas de Renoir

Que faz a atmosfera de Francis Bacon um mormaço

Intragável, incapaz de respirar;

Vento bem ligeiro que beija-lhe

Que move os cabelos de Da Vince

Que move os cabelos da nativas,

De Paul Gauguin no Taiti.

Vento, vento vento...

Nota: Poema do tempo que eu perdia (ou ganhava) as madrugadas querendo ser Caravaggio, Dalí, Vermeer, Andrea Pozzo etc.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Amores certos talvez.

Há poemas de amor, decerto
Há poemas de paixões, talvez
Talvez não saiba fazê-los ao certo,
Por eles serem tão incertos, talvez

Talvez eu sofra de amores (de certo)
Talvez um deserto de amores sofri
O que sei é amo e sofro por certo
Uma justificativa terei

Amores não se explicam ao acerto
E se assim for amante não mais serei
Serei esse bárbaro que certo
Confunde o que é um amor eterno
Por uma fútil paixão na sintaxe do talvez.

Foto: Sanny

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Chora Maria

Chora Maria, chora tuas dores pela estrada
Chora pelo mundo perverso
Chora de verso em verso
Vendo teus sonhos partirem pelo cais

Chora Maria, teus prantos e pesares
Leves flutuam em todos os cantos
Leves levitam, evitam
Teus prantos-orvalhos voarem em umbrais

Chora Maria, teu peito de dores
Já não mais suporta
Teus olhos verdes sem cores
Tuas pernas sem passos estancadas no cais

Chora Maria, com sonhos em mordaça
Com a vista embaçada
Ao que era a pouco luz
E que agora são passos escuros
Nos mais obscuros umbrais.

Foto: Pandora

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Especulações sobre o futuro.

Quem me espera é um futuro de festim
Com aplausos ou pedradas estou chegando
Estou chegando sobre nuvens incolor
Estou chegando com uma flor no peito

Quem me espera no futuro nesses dias
Pois de noites e trevas já muito ruminei
Estarei para um trago, uma valsa, uma poesia
Estive em trevas, estou em planos e feliz estarei

Ah no futuro desse país refém de marte
Onde piras de pilantras flamejarão
Haverá o dia em que a arte
No viés do tempo me estenderá a mão

Ah, o futuro, o futuro enfim
É esse raio de sol que brinca agora
Furando o orvalho em cores de amora
Em cores verdes, amarelas, em cores sem fim

Foto: Carla Sousa
Obra: Hei de sentar-me na estrada.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Arte de verdade.

Há um remoer, um regurgitar, uma moenda de cismas no verdadeiro artista que suas caricaturas, seus copiadores não ousam alçar vôo. É um mastigar de vírgulas, um cheirar nos versos, é por o coração num prato branco e prová-lo em fatias, sentindo no paladar, pondo a prova o olfato, a visão, o tato, tudo enfim. É nisso que se faz o artista. Não só a exposição de sua arte, mas, bem antes disso a aventura em descobrir-se no silêncio, na treva, na reflexão solitária. Aí não há aplausos, não há possibilidade para erguer o ego. Há um deserto para desbravar. São poucos que se aventuram, são poucos que podem ser incluídos nesse bojo. O resto? O resto são ninharias. Sempre vão ocupar mais espaço que os verdadeiros e poucos artistas que existem. Nunca foi diferente, e nem será.
Imagem do post:Caravaggio
(Caravaggio, Lombardia, 1573 - Porto Ercole, 1610)

Pintor italiano. Homem de vida airada, Michelangelo Merisi estuda inicialmente em Milão com o maneirista Peterzano, contra cuja estética reage asperamente. Autodidacta no que se segue, a sua pintura suscita violentas reacções. Mas apesar das críticas dos artistas, o público aprecia as suas telas rugosas, encrespadas de pastosidades e dominadas pelo que a partir dele se chama «tenebrismo». Estabelece-se em Roma até que, obrigado a fugir por se ter envolvido numa sangrenta rixa, se refugia em Nápoles (1606). Percorre o Sul do país perseguido pela justiça até que vai para Malta (1607), onde é recebido na Ordem de S. João. Encarcerado um ano mais tarde por ofensas a um cavaleiro da ordem, consegue fugir para a Sicília e, dali, para Messina (1609). Regressa a Nápoles, até onde o perseguem os seus inimigos malteses, que o deixam gravemente ferido. Amnistiado por Roma, dirige-se a Porto Ercole, onde é detido por erro. Uma vez libertado, morre obscuramente (segundo certas versões, de umas febres).

A atitude artística deste pintor é de franca rebeldia contra os convencionalismos do momento. O estranho realismo de Caravaggio consiste não em copiar e observar a natureza, mas em contrapor o valor moral da prática ao valor intelectual da teoria.

O aspecto mais notável da sua obra é o tratamento da luz, que recebe o nome de tenebrismo. Consiste em projectar a luz sobre as formas com violência e em contraste intenso e brusco com as sombras. O seu precoce domínio dos efeitos claro-escuro (Caravaggio morre em 1610) marca o início de uma das grandes conquistas da pintura barroca. Outra característica primordial do estilo de Caravaggio é o naturalismo exacerbado como reacção face ao idealismo renascentista. Naturalismo que, por outro lado, não está em duelo com a grandiosidade da composição.

A este interesse naturalista respondem quadros de costumes como Mulher a Tocar o Alaúde e Jogadores de Cartas, pintados na sua primeira época. A plenitude do seu estilo encontra-se em cenas religiosas que trata com um naturalismo e um realismo quase insolentes. Tal é o caso de O Santo Enterro e de O Enterro da Virgem. Nesta última obra, a figura da Virgem é inspirada no cadáver de uma mulher afogada no Tibre e com o ventre inchado. A exposição pública deste quadro numa igreja choca com o gosto classicista imperante em Roma, e tem que ser retirado

A influência de Caravaggio sente-se poderosamente em Itália e no resto da Europa durante todo o século xvii, e os seus seguidores continuam a cultivar o tenebrismo e o naturalismo no século seguinte.

Cidade da Cultura, papai noel, o velho do saco e outras lendas.



Há dois tipos comuns hoje em dia em nossa sociedade. É o jovem gênio e o outro o jovem ingênuo. Hoje falarei apenas do primeiro caso. O primeiro tipo filho bem nascido da (pretensa) alta sociedade do Cariri (ou de outros locais que o mandam para fazer sua genialidade cá junto de nós) tem todos os atributos do gênio mesmo. O que recebe o Nobel, o que ganha a Palma de Ouro em Cannes, ou menos, o que recebe medalha no colégio (que é o mais comum). Só que a genialidade no Cariri hoje em dia ela é fácil, ela é criada assim, como o parto em um conto surrealista com a necessidade urgente de tapar um buraco psicológico dos seus pais e até de si mesmo. O gênio do cariri nasce antes da obra. Ele é um primo-irmão do Macunaíma.
Para tanto, o mesmo tem que estar entre os grandes da medicina ou do direito. Sabemos que sempre tais profissões tiveram seu devido valor na sociedade ao longo dos séculos, principalmente no interior do Brasil, onde assolado pela ignorância, os tais médicos e “aDevogados” tomavam ares de salvadores da pátria ( e muitas vezes eram mesmo), uma simbiose de Maomé com faraó, representantes de Deus na terra. Até hoje, no meio das brenhas, becos, avenidas ou vielas nunca se ouviu falar no gênio sociólogo, antropólogo ou historiador por aqui. Eram todos, meros zumbis destinados ao ofício do professorado. É no meio desse contexto que imporá o jovem gênio tolo que hoje desbrava a sociedade do Cariri. Ele quem rege os hábitos, quem dita o que se come, o que se bebe, e quando se bebe, o que se escuta, o que se (não) lê.
Bem vestido, munido de uma garrafa de whiski, um carro e um som, alto o bastante para mostrar sua tendência asnática, com sua plena (falta de...) compostura, “chega chegando” como se diz por aí. Passa pelas ruas como um cometa, deixando um resto de notas sonoras confusas (sorte quando são confusas, pois se você perceber algo ali certamente será alguma palavra do tipo: rapariga, cabaré, cachaça ou algo que equivalha o nível do ouvinte dono do possante). A vida então se resume a nada mais do que isso. Esse é o auge do gênio. Aí você poderá perguntar: - O quê? Mas é só isso? Só isso e nada mais! O gênio do Cariri, certamente o futuro de nossa sociedade, os pais que guiarão seus filhos daqui a uns anos são compostos disso. Mas daí surge outra pergunta: - E como se pede ter chegado a tal nível? Não estudam? Não são pessoas “bem nascidas”? A resposta dessa vez é um pouco mais complexa. O estado de coisas está assim justamente pela sustentabilidade numa falsa educação. Um bojo de conhecimentos técnicos postos em prática para o puro e simples deleite (ou segurança) econômico(a). Não se pode dizer aqui que a juventude não seja esforçada. São certamente. Tem impulsos de ganhar a vida, o mundo, e para isso estudam e muito. Mas, o que estudam?
O que se vê é uma massa de jovens onde noventa por cento não pensa em outra coisa a não ser um emprego. Em casa, a educação se baseia nisso. Em “estudar para ser gente”, e é do próprio berço que o caririense sabe que não passa de um animal abjeto. Um pote de moedas é sua educação. Quem junta mais é mais educado. Nisso, sua cultura está em se travestir de uma pretensa elite, copiando trejeitos dos mais banais, superficiais, ridículos e tolos(que souber dizer: bom dia, boa tarde e boa noite é educado). O vestir é uma segunda essência. Está acima de (quase) tudo. O charme baseado em sei lá o quê é sustentado psicologicamente como numa tragicomédia de extremo mau gosto. Isso pode ser visto em ambos os gêneros. Há o charme do vestir, do whisky falso, do carro, do som do carro, dos rodões do carro (aliás, tudo que gravita em torno do carro vale como parte essencial do seu âmago). Há aqui que se falar que o carro, objeto que aqui toma ares de oferenda dos Deuses. No nosso Cariri o carro diz muito não só sobre seu presente, mas, sobretudo sobre seu futuro (sexual), sua respeitabilidade. Por meio dele há uma valsa estranha onde homens regem a dança e boa parte das moças “bem nascidas”, avaliando mui bem o vestir, o beber, o carro...assim são escolhido seus pares.
As jovens (“bem nascidas”) tolas de Paris do século XVII e XVIII eram tolas que tocavam piano, liam romances, sabiam diferenciar um bom vinho, conheciam boa parte da história da arte, freqüentavam teatros etc. Vê o quanto avançamos! As nossas bem nascidas, com os mesmos trejeitos esnobes chegaram quase lá, recitam versos ilustres: Dinheiro na mão calcinha no chão, forró do Chico rola, quem vai comer a minha piriquita, aos largos goles do bom e falso whiski, com o varão ao lado, de copo na mão, como se tivesse ganho o Nobel e exibisse ao público. Hão de falar que o contexto é outro, e é claro que é! Não é por falta de esforço que chegamos a tal ponto. Tem que se querer descer ao inferno, e por ele ainda tirar uma onda com Dante: - Êeee carcamano! Tá com nada! Nós vamos mais fundo que vocês! E o pior é que vamos mesmo.
Culturalmente estamos num pântano sem a menor perspectiva de sairmos dele. Tem que veja o Crato como cidade da cultura dado ao notável número de artistas de boa qualidade que temos aqui e isso é algo que não podemos negar, porém, culturalmente sua arte não é percebida, ficando fechada a um pequeno ciclo que a percebe, e outro que faz de conta perceber. A verdadeira arte aqui não estabelece sua função social que era formar um ser humano melhor, desenvolvendo-o em sua percepção estética e filosófica (totalmente utópico na cidade da cultura).
A educação aqui, reflexo escravo do que se é tido como modelo de educação dos grandes centros, passa por essa prova. Não é capaz de formar cidadão algum, e é direcionada apenas para um futuro empregatício. É desumanizar demasiadamente o que se foi construído através de séculos de esforço na cultura ocidental achando que o único fim do aprimoramento humano através de seus estudos seja ter um emprego como finalidade. São com esses intuitos, desprezando o que seja a pintura, suas possibilidades de introspecção, de autoconhecimento, é rejeitando a música como arte nobre, capaz de formar um ser humano melhor, é fazendo troça do teatro, da filosofia e de tudo que possa trazer qualquer tipo de introspecção. É assim que vamos. E o pior, há quem pague (e não são poucos) por essa educação. A cultura de uma sociedade é algo que bem mais complexo do que apenas a existência da economia e do comércio. Aqui, é só o que existe. Uma cultura manca, mas muito bem vestida e galopante a passos largos em direção ao fosso. Há que diga que em alguma parte do que escrevi acima haja algum preconceito, algum recalque nas entrelinhas, mas resta a cada um o direito de ver o que quer de acordo com suas (im)possibilidades. Paciência.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Vibrações da Realidade

No afã deste tempo que me recuso dizer contemporâneo
Os jovens estudam rapidamente e vencem o tempo (acham)
E possessos de um frenesi rasteiro, de um brincar na superfície do conhecimento
“Estudam”, e estudando hoje em dia se consegue se gente (de que tipo?)
Conseguem a passos largos com esforço desvencilhar-se de si,
Dos sonhos que pesam, e ao longo da marcha, ao partir do cais
Os sonhos vão sendo largados.
Não há espaço para sonhos na embarcação,
Há uma galeria de espaço imenso, que consome a via-láctea
Para pendurar os quadros falsos da realidade.
Os jovens do meu tempo, estão regidos por a ferrugem das mentes
Dos falsos profetas.
Numa orquestração de tolos marcham ao abismo,
De lá se jogam um a um, desperdiçando a única vida
Sob o comando da voz que brada e da batuta que corta o ar:
- Estudem paro o concurso, ou para o vestubular.
E na queda inútil, há dez segundos antes da morte,
Vem por assalto a poesia nos olhos: é um fim de tarde
Arde o sol, os pássaros, o cheiro do prado,
Faz graça o vento no rosto, na pele, nos cabelos...
Mas se esfacela no chão, na falência das mãos e pés quebrados,
No agonizante coração e nos ossos expostos do tornozelo.
O instante poético é raro, só na hora morte há de conhecê-lo.

Foto: Tang Hsueh Sheng

Alguma poesia resta...

O que conta no ruflar das horas
Finais de tua existência
É o quanto há de poesia
No íntimo do íntimo de tua essência

O cheiro que busca o faro
Ao passar do tempo
É a busca do quando do prado ficou
Em teu corpo até este momento

Se não viste nada, nada de lírios nos prados
Nada do lirismo nos versos ou na frente da tua vida
Nada, nenhuma suspeita?
Olha atenta ao verso
Que a tua vida espreita
Há poesia até na química complexa
No remédio que teu médico te receita.

Foto:Fernando Figueiredo
Título:Instrumento musical I-Na Poesia da Escrita

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

As rosas falam...e muito.

Poeminha em homenagem a Cartola

As rosas falam...e muito.
Cartola homem,
As rosas falam faz tempo!
Há na cor de cada pétala
Uma palavra para quem estiver atento.

Há rimas de pura magia
No bojo de cada corola .
Eu diria uma antologia
No âmago de cada rosa.
Há sim versos ali contidos
Como a magia do parto
Dos poemas como passe de mágica
Nasciam de tua cartola.


Foto: Milton Montenegro

A arte de viver hoje em “dia”.

Na vigilância dos sonhos,
Na arte de meus pecados
Crepita o que me é medonho
Salta aos olhos por meio de brados

Salta num real delírio
Exalando fragrâncias falsas
Como a fragrância do lírio
Sintético que trago no bolso da calça

Toma forma e corpo
Na argamassa dos músculos
Nos vergalhões dos ossos
Mentira erguida num esforço hercúleo

Toma formas de vida
Toma formas de arte
Percorre tantas veias
Marcha por toda parte

Assim,
Procura-se a verdade em forma de arrebol
Em face de tantas mentiras fadadas
Sigo então qual um girassol
Cego, perdido numa eterna madrugada.

Foto: Bruno Santos
Título: Quase um Girassol