terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

FOI A NOITE

As ruas pela manhã ainda tem o cheiro do sangue
Escorrido pela madrugada.
A noite, antes bela e romântica, torna-se fulgaz,
Assim como as vidas que por ela caminham, somem,
Como a água que escorre pelo ralo e some no submundo.

O cheiro de morte, de sexo, de drogas...
As noites de hoje, é isto que inspira ou atemoriza os novos poetas.
As liras tocam em outras claves,
As danças em outros passos, as pinturas noutras cores,
Onde reflete o céu cor de chumbo e o gris da lua com seu olho medonho a nos observar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

PERDÃO


Eu, receptador do pecado alheio,
Cúmplice do gozo efêmero,
Co-autor consciente de inúmeras copulações,
Réu confesso do beijo, da arte e dos vôos para o nada.

Incentivador dos "vaga-mundos" e das "vaga-dias"
Repouso a mente cansada deste mundo do ter
No ventre das meretrizes que nada me cobram.

Deito aqui sobre o chão neste réquiem que vela
Minhas utopias vivíssimas, as lágrimas em virtude
Dos que não pude salvar.
Aqui choro, ao vê-los mortos, zumbis de sua própria exisistêcia... de terno, e gravata voraz, violenta, atando o pescoço do infame.
De cadernos nos seios, passos de colibri, a mente um Saara, um Saara.
Perdoa-me Deus, estes não pude salva-los!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Cinema perde Robert Mulligan

Saiu de cena aos 83 anos, numa manhã fria de dezembro p. passado, devido a problemas com a sua motricidade cardíaca, o cineasta nova-iorquino Robert Mulligan, um dos profissionais mais competentes e sensíveis no tocante à criação de uma atmosfera e à imageria cinemática. O Caderno de Cultura vale-se do ensejo para prestar homenagem póstuma a quem nos legou algumas realizações dignas de figurarem no acervo de colecionadores exigentes para visão e revisão de seus méritos. Nossos arquivos e as fontes citadas em ‘Para Saber Mais’ serviram de consultoria para a redação deste texto.No entanto, Mulligan foi pouco festejado por roteiristas pretensiosos e metidos a saber de tudo, bem como por críticos zoilos para quem os bons cineastas têm obrigação de fazer uma obra-prima por ano ou pelo menos um êxito bilhetérico por semestre. Alguns produtores também não apreciavam Mulligan, embora o respeitassem, devido à sua exigência do “final cut”, ou seja, só aprovava seu nome nos créditos e na publicidade se pudesse dar a última palavra na malfadada sala de cortes, responsável por tantos desacertos, iniqüidades e até absurdos, como foi o conhecido caso de “Soberba” (The Magnificent Ambersons), obra-prima de Orson Welles (1942), de quem lhe remontaram o final e lhe roubaram nada menos de 58 min (pêsames para Robert Wise e Mark Robson), conforme registramos em ensaio publicado neste Caderno de Cultura em 16 out 2005.O Jovem e a II GuerraFilho de um funcionário de carreira da polícia de Nova Iorque, a quem cabia a responsabilidade pelo nível relativamente baixo de renda da família, Mulligan ainda assim pôde cursar a High School e revelar-se desde cedo um bom ledor e um jovem atento e preocupado com questões de caráter social, daí sua afinidade com os problemas dos moradores da periferia suburbana. Foi quando aos 17 anos quis ser padre para atuar nas comunidades carentes. Seus estudos teológicos foram, no entanto, interrompidos pela II Guerra (1939-45), após sua convocação, em 1943, para servir em unidade naval como radioperador, equipamento com o qual tinha afinidades.Finda a guerra, Mulligan havia amadurecido o seu pensamento e perdido suas antigas certezas em relação à religião e às suas perspectivas de ordem profissional. Sentiu crescidas suas dúvidas em face do absurdo do mundo, da estupidez da guerra, do morticínio de inocentes nos campos de extermínio nazistas e dos horrores reproduzidos em documentários projetados por setores militares. Estes, segundo Mulligan declarou tempos depois ao diretor-produtor Alan J. Pakula, o fizeram pensar na importância do veículo cinematográfico pelo seu potencial para transmitir idéias capazes de denunciar e expor as mazelas da sociedade e de contribuir para minimizar o sofrimento das classes desprivilegiadas. Perturbou-o a questão da existência e da permanência do mal, tema aliás tratado por alguns filósofos e deixado por ele no subtexto de uma de suas obras-primas e um dos melhores experimentos de horror em muitos anos: “A Face Inocente do Terror “ (The Other, de 1972) (v. filmografia essencial).A Descoberta da TV: Anos 50Em tempos de paz relativa, Mulligan encontrou trabalho como “office boy” no New York Times e depois como revisor auxiliar e mais adiante como redator de uma das equipes de reportagem. Aperfeiçoava ele seus conhecimentos sobre comunicação via rádio, quando se interessou vivamente pela televisão, tornando-se integrante ilustre da primeira geração produtora de filmes para a TV. Daí ter sido assistente de produção e logo depois de direção, quando trabalhou com o amigo Pakula e muito aprendeu com ele.Como se recordará o cinéfilo, Pakula foi o diretor proficiente de filmes como “A Trama” (The Parallax View, 1974), com respingos no assassinato de Kennedy, enquanto defendia no subtexto a tese conspiratória e denunciava a farsa do Relatório Warren, e “Todos os Homens do Presidente” ( All the President’s Men 1976), sobre o escândalo de Watergate no governo Nixon.A propósito, pode-se lembrar também de “O Assassinato de um Presidente” (Executive Action, 1973), de David Miller, e “A Pergunta que Não Quer Calar” (JFK, 1991), de Oliver Stone, para ficarmos só nestes defensores da tese de dois ou mais assassinos no caso Kennedy. Mulligan também estudou TV e cinema na prática, enquanto assistente de colegas mestres da categoria de John Frankenheimer, Robert Altman, Sydney Pollack e George Roy Hill. Casou-se em 1952 com a atriz Jane Lee Sutherland e quando completou 30 anos, em 1955, Mulligan ganhou reconhecimento como um dos principais diretores de qualidade nos dramas veiculados pela TV. Em 1957, recebeu convite para dirigir seu primeiro longa para o cinema, pois o aprendizado com aquela primeira e luzida turma e o treinamento intensivo propiciado pela TV já lhe davam competência e segurança para vôos mais altos.Surgiu assim “Vencendo o Medo” (Fear Strikes Out, 1957), um relato íntimo e perturbador do distúrbio mental de Jimmy Piersall, jogador de “baseball”, a quem o pai ignorante e dominador queria vê-lo brilhar a todo custo como astro nacional de primeira grandeza. O veterano Karl Malden como genitor e Anthony Perkins no papel do filho foram bem conduzidos por Mulligan, mas apesar do desempenho sobresselente não foram contemplados com indicações para o Oscar daquele ano. A partir desse filme, no qual parece ter havido um duelo de interpretação entre “pai” e “filho”, Mulligan revelou personalidade sensível e inteligente, cuja obra induz a estima, conforme escreveu Jean Tulard, para quem “heróis” como Jimmy são na maioria das vezes pessoas solitárias, as quais dificilmente conseguem integrar-se na sociedade. Para o dicionarista francês, Mulligan nos propiciou retratos em tons claros de seus personagens, especialmente em “Houve Uma Vez um Verão” (Summer of ’42,1971), um dos marcos do cineasta nova-iorquino, sobre o qual faremos referência quando analisarmos os anos 70.
ACERVO DE LG MIRANDA LEÃOL.G. DE MIRANDA LEÃO* Colaborador