sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Qualificações Acadêmicas


Não à toa, a Academia "se tornou o local onde a ignorância é levada às últimas conseqüências" (by Millôr). É que aqueles que deveriam zelar pela sua qualidade são os primeiros a cultivar corporativismos, facilidades burocráticas ou mesmo baixo proselitismo. "Aqueles que deveriam zelar", alguém pergunta, "quem são?". Os professores, ora essa! Eles mandam naquilo, ou assim deveria ser, e mandando, assumem necessariamente aquilo que vem com o poder: a responsabilidade. Eles dão o exemplo. Mas Pedro Sette-Câmara nos comenta um caso assaz interessante...

Por Pedro Sette-Câmara
Ando de metrô aqui no Rio quase todos os dias. E quase todos os dias penso que vou morrer, porque as pessoas se aglomeram nas portas, e, apesar de eu ser um sujeito pacífico, sou obrigado a empurrar alguém para entrar, o que faço, admito, sem grandes pudores. Afinal, não existe exatamente um dilema entre eu me atrasar e algum boçal ficar lambendo a porta do trem só porque acha isso gostoso.

Mas bem, nem é desse grave problema civilizacional que quero falar. Quero contar, compartilhar uma coisa que vi essa semana. Dirijo-me como um ser civilizado ao famoso centro do carro e vejo que, sentado, um homem tira da mochila uma apostila, dessas com espiral. É um trabalho acadêmico. É um trabalho de conclusão de curso, e o curso é um MBA do IBMEC. O autor do trabalho é uma mulher.

Em coisa de dois minutos (sim, eu contei) o sujeito folheia o trabalho, saca um papel, e o preenche com a nota — 7,5 — e uma justificativa. Eis que chegamos à estação do Catete. Mais um trabalho de conclusão de curso, assinado por Daniel Sobrenome Whatever (lembro bem, posso dizer qual era, upon request), sai da mochila do sujeito, e, assim que chegamos à estação seguinte, a da Glória, após menos de dois minutos, temos mais uma nota: 7. Não, um momento: enquanto ele preenchia a justificativa da nota, achou melhor alterá-la para “aprovado sujeito a modificações”.

Sei por experiência que corrigir trabalhos é chato, e não pouco. Sempre pensei que, dando aula regularmente, só daria provas e daria a meus alunos um número máximo de caracteres ou de palavras, a fim de que eles não fossem prejudicados pela minha falta de paciência com as embromações acadêmicas. Mas, hélas, também já gastei horas escrevendo trabalhos, e já gastei muito dinheiro com aulas. Não foi para que meus trabalhos fossem corrigidos entre a Glória e o Catete. O que vi pode ter sido um caso isolado. Só para garantir, recomendo que você torre a paciência do seu professor. Você pagou, ele recebeu. A melhor maneira de começar a melhorar a educação brasileira é fazer com que o professor saiba que cada movimento dele é impiedosamente analisado.

Retirado de PedroSette.com.

sábado, 30 de outubro de 2010

O MUNDO NÃO PODE PAIRAR


Os faisões voam nos prados,
As papoulas nos campos nos convidam
Aos delírios que a retina puder alcançar.
Mas ainda assim, como uma pausa na música,
Como um pedaço que falta...está sua ausência
Qual um fardo para seios que cansados suspiram
Qual uma marcha infinda, que não pode parar.
Orvalhos como gotas de silêncio, como a rede de Ingra
Ligando todas as dores, pois, as dores movem este mundo
E o mundo meu anjo, não pode parar...
Não pode pairar!
Foto: Pedro Cabral

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Um quase amor.

Esteja onde estiver
Evitando-me, com essa realidade que,
Pretensiosamente esmaga-me
Saiba que sob ela,
Minha poesia sobrevive
E aqui você é minha, seus lábios
Agora meus, pousam como conchas
Em minha pele.
Seus olhos fitam-me, e apalpam-me...
E cá, sob os escombros da realidade.
Nutrido por minha poesia,
Não a quero senão em corpo e espírito
Nívea como a nuvem, rubra como o sangue.
A realidade está aí, para machucar-me.
A poesia está por aqui,
Para fazer-me fiel a ti.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Existência



O vento sopra forte nas noites de inverno,
A chuva fere a epiderme da terra
Nas noites quentes de verão.
Levitam no outono as folhas-libélulas...
Primordial, as cores violentas nos prados.

Quem és aí vós, no meio dessa orquestração
De cores, sons, cheiros...
Quem és no reflexo do sol nas penas dos pássaros,
Quem és no instante que orvalho levita
Na pétala tão rubro-rósea-nívea?

És a vida e sentido, o logos, a essência
És a medula, o nervo que vibra,
A sinapse da idéia,
O fogo da pira,
És o supra-sumo da imanência.

És o que exala e contém,
Na existência e no vazio,
O que existe de amor,
Em meu seio e em minha consciência.

Foto: Nina Linhares

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Logos de Amar

Mesmo distante, com o peso das eras
Que fazem existir essa ausência de corpos
Não deixa de existir essa presença do ato de amar.
O pó do tempo sobre teu rosto,
Te dão um rubor que antes não tinha.
O eco de tuas palavra ainda dançam
Em notas sonoras, em compassos tão vivos
Que mostram-se em desenhos a riscar
Em minha mente, fantasmas de ti.
O tempo, onde marcham as guerras
Que mudam a face do mundo
Não mudam o logos do amor,
Uma chama que arde viva,
Mesmo que um dia não haja mais vida em tí.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Paixão e queda.

Eu quando ferido,
No campo de guerra das paixões
Sangro, vazando feito a brisa
Que movem as ondas.
Quedo, mas meu cair
Faz ruir junto comigo
Tudo que está perto.
Mesmo em silêncio,
O sol nos fins de tarde
Batalha e geme em explosões
Magníficas, para ser vencido.
Ainda ferido, caído ao chão
Quem por eu passar
Não poderá ignorar meu sangue
Sob suas botas,
Tingindo minha dor em suas pegadas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Medos

Medos de dentro da noite

Medos dos coices nas feras

Medo dos rubros dos olhos

Que brilham dentro da noite

Como foice, como duas esferas

Medo de peitos sombrios

Medo do estio de amores

Medo de tantas as dores

Do sangue, dos acúleos de flores

De rosas, de dentes, de garras de feras

Medo, lâmina em desejo

Medo e desejo de carnes

Gozo dentro da noite

Paixão em açoite

Corte de lâmina que arde

Medos de sonos fugazes

Medo de noites eternas

Medo das fronteiras do amor

Do traslado da dor

A levar-me as feras

Medo covarde, temor

Temo um amor de uma fera

Fera acata essa flor

Acata este poema

Com versos sem pontas

Redondos com uma esfera.

Ver

Ainda abro-me aos sonhos
Para que o minuano, a leve brisa
Leve meu coração, como nacos de neves
Sobre as montanhas,
Sobre os pinheiros nos montes
E pouse dócil sobre alguma leve folha
Que o calor dos raios do sol
Lágrima, pois o que é lágrima
Não é só de dor.
Ainda abro-me ao sonho, a guarda
Aberta as flechas
De algum travesso cupido bêbado,
Ou ébrio de ópio que seja,
Que teima em dar-me esperanças
De atingir-me com risos brancos
Com olhos tão lindos,
Rutilantes, tão raros,
Com beijos tão doces
De palatos tão caros...
Anjos vadios, de flechas tão certas
Incerta é a vida,
Que este poeta ainda leva,
Mas certo é o desejo,
Que após tanto pranto preserva.

domingo, 11 de julho de 2010

Horda de Anjos Sedentos

Os anjos bebem encostados sobre o balcão dos bares.
Babam sobre os balcões e repetem as doses dos runs
Uísques, cachaças baratas...
Os anjos sem pais em pensamentos delirantes
Deliram e giram nas noites de tangos.
Levitam sobre as calçadas em sono
Que murmuram segredos em seus ouvidos oníricos.
Os anjos delirantes não suportam essa vida,
Essa morte vestida de terno e gravata,
Pasta vazia na pata direta como espinhos que furam cadelas...
Em plena solidão que apunhala, que lhes rasgam as artérias
As pálpebras de sono, deixando os olhos atentos
E o coração a pino, com a lua (câncer) crescente à meia noite.

Poema...

Os poemas saem frescos da alma
Como os primeiros raios de sol
Tocam de leve, tato-veludo sobre a pele
Os poemas, são feras outrora
Em esferas que explodem dentro d'alma
São brados fortíssomos que podem cortar
Há poemas que não se precisa falar
Eles nascem na beira das estradas
Sob a forma de pétalas,
Nascem e renascem pela forma de sonhar
E pela estrada que dorforma
Dá nova forma ao nosso caminhar

Todo poema é bem verdade
É uma forma de cantar
E esta forma transforma
O nosso chorar
Como os brados que calam
Ao que acalanta
Ao que acalanta
Ao que acalanta...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Depois dos Falsos Bilhantes


Quando os falsos sorrisos cessarem

E as harpas calarem, e as frutas secarem

Suando a voz do Tejo calar

Serei eu quem dirá: - Te amo

Por quê? Por que, eu não sei

Mas sei que preciso te amar

Assim sonatas cantam sob o silêncio

Como entes que existem em nós

Mas não precisam falar...

A voz fere o silêncio

E é este o único palco que podemos sonhar

Quando nua, sem a chaga da vaidade

Despida dos pecados sutis e fugazes

Quando assim, seremos capazes

De pecar sem temor do real

Ou o ardor do sonhar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre, aos 87 anos, o escritor português José Saramago

Autor de 'Ensaio sobre a cegueira' era vencedor do Prêmio Nobel.
Nota em seu site fala 'múltipla falha orgânica após prolongada doença'.

Do G1, com agências internacionais.

O escritor português José Saramago morreu aos 87 anos em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, nesta sexta-feira (18). A informação foi divulgada pela família do escritor de "Ensaio sobre a cegueira" e confirmada em seu site oficial.

"Hoje, sexta-feira, 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.

O autor de "O evangelho segundo Jesus Cristo" e "Ensaio sobre a cegueira" vivia em Lanzarote desde 1993 com sua esposa, a jornalista Pilar del Río. Nos últimos anos foi hospitalizado em várias oportunidades, principalmente devido a problemas respiratórios.

Expoente da literatura mundial
O escritor português era um dos maiores nomes da literatura contemporânea e vencedor de um prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões - a mais importante condecoração da língua portuguesa.

O autor era tido como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época.

Entre seus livros mais conhecidos estão "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A balsa de pedra" e "A viagem do elefante". O mais recente romance publicado pelo escritor foi "Caim", de 2009.

"Ensaio sobre a cegueira" foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de "Cidade de Deus") em 2008.

No mesmo ano, uma exposição sobre o trabalho de Saramago foi exibida no Brasil. "José Saramago: a consistência dos sonhos" trazia cerca de 500 documentos originais e outros tantos digitalizados, reunidos em um formato que, misturando o tradicional e a tecnologia moderna, levavam o visitante a uma agradável e rara viagem pela vida e pela obra do escritor português.

Veja, abaixo, uma lista de romances escritos por Saramago
"Terra do pecado"
"Manual de pintura e caligrafia"
"Levantado do chão
"Memorial do convento"
"O ano da morte de Ricardo Reis"
"A jangada de pedra"
"História do cerco de Lisboa"
"O Evangelho segundo Jesus Cristo"
"Ensaio sobre a cegueira"
"Todos os nomes"
"A caverna"
"O homem duplicado"
"Ensaio sobre a lucidez"
"As intermitências da morte"
"A viagem do elefante"
"Caim"

Fonte: G1

terça-feira, 15 de junho de 2010

Como Parecer Culto


Por Marcelo Maroldi

Atualmente, temos livros sobre praticamente qualquer assunto que se deseja ler. Há livros sobre as aranhas vermelhas do norte do Amazonas e sobre abduções extraterrestres de pessoas albinas, sobre gastronomia nas ilhas Faroe e sobre como conquistar garotas nas baladas GLS da Turquia. Absolutamente tudo tem um livro correspondente. Nos últimos anos, principalmente, tornaram-se comuns os livros for dummies ou "aprenda em 10 lições"... Os últimos que vi tratavam de ensinar como parecer culto, um intelectual, como se portar em museus, teatros, exposições, como conversar sobre literatura, sobre cinema e sobre artes plásticas e parecer que entende do assunto. Não, não é piada, leitor (e eu juro que gostaria que fosse). Você não precisa entender nada de literatura!, basta comprar o livro e fingir que entende. É uma fraude intelectual!

Antes de prosseguir, é importante dizer que estes livros não têm como proposta ensinar o básico do assunto, não é isso! Estes livros têm como objetivo apontar o que você precisa falar quando te perguntarem de literatura, por exemplo, se é que alguém te pergunta isso (aliás, se alguém te pergunta sobre este assunto, favor me apresentar tal pessoa). Por isso soa como piada! É quase um teatrinho: os autores mostram o que você precisa dizer e você não precisa estudar o assunto, basta repetir laconicamente o que te mandarem dizer. Minha crítica não é contra quem escreve e publica tais livros, eles têm, provavelmente, interesses econômicos. Agora, comprar um livro desse?, tenha santa paciência (aliás, expressões populares não devem constar no livro, elas não combinam com gente culta).

É difícil você encontrar alguém que admita ler tais livros, afinal, não é elegante ler tal literatura. O legal é você dizer que sabe tudo de literatura porque já leu muitos livros, lê revistas especializadas, participa de cursos, freqüenta uma biblioteca pública, e não porque comprou os "10 livros que você precisa saber falar quando te perguntarem de literatura". Entretanto, caso você conheça alguém que lê esses livros e o questionar, ele dirá, provavelmente: eu não tenho tempo para ler o que eu gostaria de ler. É claro que eu não irei discutir o assunto, cada um sabe o que fazer com o seu próprio tempo. Porém, acredito que quem lê um livro como este – e que, portanto, precisa ou deseja saber falar do assunto – deveria arrumar tempo para estudá-lo. Se a pessoa não arruma tempo para estudar o assunto, é porque não deve encará-lo como importante para sua vida. Ah, e se não o encara como importante, não deveria querer falar sobre ele e se importar com isso.

Tudo bem, tudo bem! A pessoa tem todo o direito de falar sobre filmes clássicos se quiser, mesmo que não saiba nada disso. E daí ele compra o livro. Mas, por que essa necessidade de parecer culto? Por que todo mundo atualmente tem que ser especialista em absolutamente tudo? Por que não posso dizer que não entendo nada de teatro russo, ou de cubismo? Isso vai radicalmente contra tudo o que vejo nessa minha vida. As pessoas estão cada vez mais estúpidas, fúteis e despreparadas, por que, então, devo me preocupar em me mostrar culto e discutir com elas? Por que todo mundo precisa ser culto? É muito raro encontrar pessoas intelectualizadas de fato, por que preciso ler teatro russo for dummies? Talvez, sendo assim, mostrar-me (mais) culto que elas parece demonstrar que sou melhor que as mesmas. Só isso. É quase uma competição e vence quem mostrar ser mais culto.

Dentre os assuntos que você precisa conhecer para não ser considerado um inculto (e para vencer essa competição bizarra), temos um interessante: filosofia, que está na moda. Hoje, proliferam-se cursos (não acadêmicos) de filosofia, livros de filosofia para leigos, artigos em jornais, revistas, etc. Antigamente, somente era necessário citar Marx para estar adequado. Agora, não! Se você não conhecer uma meia dúzia de filósofos, vai ter que apelar para os livros de auto-ajuda, como os supracitados. Colaboram para isso obras como O mundo de Sofia, a popularização (sic) do assunto, como o (péssimo) quadro "Ser ou não ser", do Fantástico e a presença de filósofos na televisão, como a Márcia Tiburi no Saia Justa. Embora a iniciativa seja louvável, filosofia não é algo que se aprende em poucos meses. Não é algo imediato e tampouco trivial. É necessário anos de dedicação debruçados sobre um mesmo autor para poder dizer que o conhece. Então, como é que as pessoas discutem filosofia? A moda entre a classe alta é discutir filosofia, e eu pergunto: qual?, o quê?, como assim? O sujeito assiste o Café Filosófico (TV Cultura) e sai dizendo que estuda filosofia? Um professor meu na Unicamp dizia que era preciso se dedicar 4 horas por página de obra filosófica para entendê-la. É claro, leitor, que ele estava brincando... 4 horas é muito pouco! A maioria das pessoas que conheço não lê 4 horas num semestre todo (incluindo a leitura das bulas de remédio e do horóscopo), como poderiam então conhecer e discutir este assunto em profundidade? Antigamente, a moda era dizer que se estudava crítica literária. A elite paulistana, por exemplo, enchia os cursos particulares sobre o assunto, pagando preços altos para ver nomes conhecidos lecionarem. Acho que a crítica literária ficou muito simples, todos já sabem tudo a seu respeito, e por isso partiram para a filosofia. Deve ser isso...

Outro assunto que você não poderá negligenciar é o cinema. Mas, não, não o Hollywoodiano. Tem que ser filmes de arte, aqueles que não passam na TV e nem na maioria dos cinemas comerciais. Cinema francês, ou Afegão, ou mesmo Bollywood já serve. O que não pode é não gostar de nenhum deles, desconhecer os nomes dos autores e diretores e odiar filmes "parados". Isso é uma falha irreparável!

Teatro, claro, é assunto indispensável. Mas não pode ser qualquer peça. Comédia, nem pensar. Precisa ver os clássicos, ou os de vanguarda, tão de vanguarda que quase não se entende nada. Aliás, esse é o ponto! Quanto menos inteligível, melhor é.

Na música, não se pode, jamais, dizer que se ouve pagode, axé ou sertanejo. Isso é inadmissível! É necessário gostar de MPB (por sorte, é um campo vasto demais para se complicar ao dar uma opinião), Bossa Nova e, se possível, música clássica. Seu Jorge, Los Hermanos e Lenine somam pontos também.

Sobre televisão, há 2 opções válidas: dizer que assiste (e então dizer o que assiste) ou dizer que não assiste, que também vale. Se decidir por dizer que assiste, tais (e somente estes) programas podem ser citados: Manhattan Connection, Roda Viva, Café Filosófico, Entrelinhas, [re]corte cultural, Conexão Roberto D’Ávila, Boulevard Brasil, Observatório da Imprensa, jornalismo em geral (preferencialmente CNN ou BBC).

É necessário, também, conhecer algumas pessoas e o que elas fazem ou falaram. Se você citá-los então, é perfeito! A minha lista tem: Diogo Mainardi, Olavo de Carvalho, Ferreira Gullar, Michel Melamed, Chico Buarque, 1 diretor de cinema, 1 diretor ou ator de teatro, 1 político de esquerda (PSOL, se possível), 1 filósofo qualquer, 1 poeta pouco conhecido, 1 artista plástico (vale parente ou vizinho), 1 teólogo qualquer (teologia da libertação não vale, está fora de moda), 1 jornalista que escreva para um grande jornal e 1 artista não reconhecido, mas "com muito talento" e que vai "estourar".

Na internet, você deve mencionar Le Monde e El Pais, Primeira Leitura e revistas similares, site do Canal Brasil, portais de cultura (literatura, música, etc) contidos nos grandes sites e alguns blogs de escritores, jornalistas. E você pode citar este Digestivo Cultural também, claro.

Uma outra característica que causa muita boa impressão é citações e comparações que pouca gente conhece. Por exemplo, dizer que um pensamento ou alguém é muito cartesiano (anticartesiano é melhor ainda!), ou que o behaviorismo radical é insustentável ou que a escola chilena de filosofia é muito interessante vai deixar a maioria das pessoas impressionada. Calma! Mesmo que você também não saiba o que seja isso, ninguém vai ousar te perguntar e demonstrar não sabê-lo, e em último caso, você diz que é um assunto muito denso para aquele momento e que vocês podem marcar um café qualquer dia desses (e, evidentemente, não marque!). A propósito, marcar de bebericar cafés em livrarias é algo típico da pessoa culta. Anote aí.

Se você fizer tudo isso vão te achar inteligentíssimo, creia-me. Para completar a fraude, meus amigos, falta só um detalhe: o seu perfil do Orkut! Sim, isso é muito importante. No seu perfil, você deve acrescentar todas as comunidades das personalidades acima e dos assuntos também. Comunidades como "Teatro Ucraniano moderno", "Bach" ou "Gothic Poetry" ajudam muito. Depois, peça a uns amigos seus (uns 3 ou 4) para escreverem depoimentos a seu respeito. Os depoimentos devem mencionar sua cultura vastíssima, suas viagens para o Egito e seus tempos de Universidade Pública, curso de teatro, aquele mico no Louvre ou namoro com personalidades. E, finalmente, o golpe final: sua autodescrição. Essa precisa ser matadora, como algo bem abstrato (um neosartreano em busca da consciência plena), romântico (procurando alguém pra dividir os sonhos) ou culto mesmo(gosto de Stravinsky e estudo Piaget...). É batata, pessoal! Se você for "solteiro", vai chover amigos querendo te conhecer melhor!

Isso sim é uma receita de fraude! Vão te achar culto! E eu nem cobrei nada por isso... Boa sorte!

Fonte: http://www.digestivocultural.com

domingo, 13 de junho de 2010

Quase segredos.


O desespero da primavera em êxtase,

Num explodir de cores sanguíneas nos prados

Pesam sobre teus olhos verdes, sobre tua pele negra

Sobre teus ombros espaduados...

Pois só o poeta sabe dos delírios primaveris

Guardados nos porões de tu’alma,

Das dores em segredos nos ventrílocos

Do teu coração,

E no quanto de lembranças jazem

Atrás das retinas verdes e foscas

E das lágrimas peroladas

Que marcham sobre tua pele...

Eu bem sei...pois a poesia...a poesia

Não é outra coisa senão uma oração

Que fazes diariamente sob a luz bruxuleante

De tua alma.

Foto: Pedro Silva

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Bruno Tolentino e a lição de Ezra Pound

Fonte: Portal Literal 1.0, Rio de Janeiro (RJ) · 14/8/2008 · 16 votos · nenhum

Publicado originalmente em 24/08/07 por Pedro Sette Câmara.

Bruno Tolentino sempre repetia uma frase famosa de Pound: "Devemos escrever poesia pelo menos tão bem quanto prosa", o que significa que a poesia deve ser pelo menos tão clara e cristalina quanto a melhor prosa, e, se for digna do nome, conseguir ser ainda mais impactante.

Mas outra frase famosa de Pound era o imperativo "fazer o novo", tradução um tanto bizarra para make it new, que em bom português daria algo como "tornar algo novo" ou até, com alguma aparente perda de ênfase, "renovar algo". Digo "aparente" porque faço uma leitura muito pessoal de Pound, com a qual creio que Bruno Tolentino concordaria: é irresistível lembrar que Cristo é o Logos divino, o Verbo, a Palavra anterior a toda palavra, e que Ele mesmo disse: "Eis que faço novas todas as coisas." O próprio Pound também dizia que literatura era news that stays news, e um tradutor cristão, sofrendo pela feliz ambigüidade entre "a novidade que continua a ser novidade" e "a notícia que permanece notícia", não tem como não se lembrar da permanente boa-nova, nada menos que o Evangelho. Não creio que Pound fosse gostar de ser batizado assim, mas nada nos impede de aproveitar desta maneira o que ensinou.

Voltando ao estranho "fazer o novo", este entendimento peculiar do crítico Pound, talvez corroborado pelos muitos estranhos versos que o poeta Pound deixou, agravou um dos grandes vícios brasileiros, que é o anseio desmedido por novidades, a disposição de trocar a primogenitura pelo primeiro camembert que apareça na alfândega, desde que seja o camembert da moda em Paris. O desejo específico de "fazer o novo" veio, como Tolentino argutamente observou em Os sapos de ontem, abortar uma tradição brasileira que se estabelecia e que já não devia nada aos chamados "grandes centros".



Esta tradição brasileira, ou tradição de língua portuguesa falada no Brasil, tinha como característica a proximidade da linguagem comum. Árcades e românticos buscavam comunicar-se com os leitores. Ao fim do século XIX, surgem os primeiros grandes poetas "à parte", como Augusto dos Anjos e Cruz e Sousa, mas este se distancia pela busca do sublime e pela ênfase sonora, e aquele pelo desejo de usar, ou abusar, de termos científicos e esotéricos, tudo em musicalidade baudelariana: o verdadeiro Frankenstein nacional. Ainda assim, um monstro com cara de homem, um grande poeta. É apenas quando os concretistas começam a produzir obras ininteligíveis, animados pelo desejo de "fazer o novo", e não de renovar a linguagem efetivamente usada pelas pessoas, que o adjetivo na expressão "literatura moderna" ganha mais peso que o substantivo.

Rimbaud já tinha dito que era preciso ser "absolutamente moderno", mas preferiu parar de escrever a ficar por aí dando a entender que quando falamos em "literatura moderna" a parte importante é o "moderna", até porque a modernidade é sempre inevitável, mas a literatura não. O próprio Pound, recordemos, haveria de admitir o ilogismo do distanciamento absoluto da linguagem cotidiana, afinal, como ele também disse, poesia é "linguagem carregada de significado", tão carregada que faz com que uma novidade consiga permanecer nova através dos séculos, mesmo sendo velha. É por isso que até hoje repetimos que "amor é fogo que arde sem se ver" e que "transforma-se o amor na cousa amada".



Por isso, quando Pound falava em renovar, make it new, demonstrava apenas estar ciente de que as formas de expressão tendem a cristalizar-se e desgastar-se, que mesmo um gigante como Camões precisa de novas leituras e novos contrapontos para que a literatura não entre em piloto automático. Fundamental mesmo era, e continua sendo, fazer a verdadeira revolução, que consiste em voltar às coisas mesmas para, ouvindo-as, dar-lhes voz.



Esta é a questão crucial: voltar às coisas mesmas, contemplar algo, colocar a linguagem a serviço da comunicação de algo, não deixar que ela fique apenas voltada para si mesma, como uma alma sem corpo a vagar em projeção astral, uma modernidade sem literatura, uma literatura sem palavras, um monte de palavras sem sentido. Isto só é possível se o próprio poeta tem uma preocupação vital, ou até mais de uma. Bruno Tolentino teve algumas, mas a mais importante, a que mais contribuiu para informar sua obra, diz respeito a um aspecto sutil da vida interior do homem: tendemos a preferir o retrato ao retratado, a beleza artificial e pretensamente eterna à beleza inevitavelmente agonizante de tudo que vive, a preferir, enfim, o mundo como idéia ao mundo como mundo mesmo. Isto se reflete tanto na luxúria por mulheres de Photoshop que impede o amor por mulheres reais, não menos maravilhosas por terem defeitos inevitáveis, quanto, para citar T. S. Eliot, no desejo por sistemas políticos perfeitos que nos dispensem de ser bons, que nos desobriguem da compaixão e da misericórdia, e assim nos fechem para o outro – não o "outro" abstrato, mas o outro que está à nossa frente e a quem podemos fazer um bem tangível.



Explicitado assim, o tema pode não nos comover tanto; mas cabe ao poeta utilizar os recursos que nos inspirarão a fugir do mundo como idéia e buscar o mundo real, ou a experiência que Bruno descreveu como "mundo como rapto", o arrebatamento momentâneo que constitui o verdadeiro ato intuitivo, de conhecimento imediato. É neste momento que ele se volta para seus mestres, em busca de meios de expressão; mas antes passa pela fonte da linguagem cotidiana, a fonte que sai da própria terra. O resultado normalmente segue a tradição da poesia de língua portuguesa: o discurso poético anda um degrau acima da linguagem cotidiana, que passa a ser transfigurada pelo ritmo e pela proximidade com termos que têm significados muito especiais. Vejamos por exemplo o soneto final da série "O pote no balcão", em O mundo como Idéia [vencedor do Prêmio Jabuti 2003], em que o poeta discute com o próprio coração, num tom brasileiríssimo de intimidade e humor, a necessidade de ele parar de se contentar com "noções apenas" e partir para o famoso mundo real:

VII

Venho abrir-te de vez essa gaiola

em que eu mesmo te fiz viver suspenso;

ando perplexo entre o que sinto e penso,

entre a mão estendida e a falsa esmola.

Admiro-te ainda a cabriola,

a audácia, a acrobacia sobre o imenso,

mas sinto-te quicar como uma bola

num joguinho fictício e ando propenso

a pegar-te na mão e sem demora

te atirar, coração, no olho da rua,

o olho vivo da vida! Muito embora

a ninfa que inventaste ande mais nua,

mais bela assim, vestida só de lua,

basta de orgulhos, coração, cai fora!

O discurso é direto, sem inversões sintáticas. A principal marca de uma "dicção literária" é o uso da segunda pessoa, seguida do uso de "imenso" substantivado. Nada de mais. Mas a novidade volta a ser novidade quando vemos uma expressão banal como "o olho da rua" sofrer um acréscimo de sentido: além de ser a situação provisória que é o contrário da proteção do lar, neste caso o lar imaginário em que vive o coração, é também "o olho vivo da vida", o conjunto dos acontecimentos concretos. A ninfa inventada, "vestida só de lua" – uma alfinetada em Vinícius de Moraes – pode ser mais bela; mas é irreal, não passa de um orgulho – eis a segunda subversão, desta vez de um lugar-comum da poesia. A opção pela próclise em "te atirar", contrariando as supostas regras, as mesmas que levaram Oswald de Andrade a escrever aquele poema1 sem graça lido em todas as escolas, mostra o quanto o bom senso pode servir à sonoridade e à métrica, o mesmo bom senso que levou à ênclise de "admiro-te ainda a cabriola" e "sinto-te quicar". O uso de um tom brincalhão, mas não irreverente, lembrando que irreverente é quem não presta as reverências devidas, também contrasta com a galhofa dos modernistas de 22 e os "marginais" dos anos 1970-80, cujo maior legado foi convencer muita gente de que mostrar a língua e fazer pose são formas de alta cultura. Tudo isto procede do tema: o pito que Bruno Tolentino quer passar no próprio coração que só ama o que é imaginário. O texto, por sua vez, vai estabelecendo todos esses diálogos, entranhando-se numa tradição, baseando-se na língua que já está presente no vivíssimo olho da rua.



Isto sim é renovar o idioma, make it new, e torna-se impossível não querer dizer "coração, cai fora!" diante de cada nova paixão intelectual maligna. A expressão trará a lembrança do poema; a lembrança se transformará em memória; a memória em imaginação; e assim a poesia informará a nossa maneira de enxergar o mundo, moldará a forma com que recebemos nossas experiências, nos dará novas categorias e, além disso tudo, nos inspirará a fazer o coração cair fora quando necessário. Francamente, não se pode esperar muito mais do que isso de um poeta – como já pode ter percebido quem notou que os conselhos de Ezra Pound valem para qualquer um, em qualquer época, e não só para aqueles que estavam no século XX, doentes de cronocentrismo.

(1) Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarroJustificar