sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Poema em Delírio

O poema, no passo da valsa
Nas noites de lua, dança leve
Como que levita, bigorna sem asas
Poesia que o faz pairar

O poema, que de pernas sensuais
Enroscam-se no vestido vermelho da dama
De olhos verdes e meias negras
O poema delírio de gozos
De volúpias raras... No versejar

O poema que nos acordes graves do tempo
Insiste em bradar.
Poema no beijo do lábio, nos seios,
Nas entre cochas
Que insistem em amar.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Poema Resistente.

Esse coração que a terra jamais há de comer
Apesar das chagas e do pranto quase que absoluto
Ainda bombeia gotas de sangue venoso valente
Os ventrículos, qual torres gregas, resistem valentes
Ás vastas vagas de desgostos...
Este coração, assim como esse par de olhos negros
Este rosto magro de sobrancelhas grossas
Resiste pelo orgulho de viver, e sobretudo
Pelo amor próprio.
Este coração que, porém resiste,
Permanece cozido em banho Maria
Num vale de lágrimas que parece nunca acabar.

O amor.

O amor, ainda que oculto,
Nas esferas interiores da alma
Ruge, aos brados em lutas com o Cérbero
Nas portas do teu coração
Ainda que o silêncio do lábio estanque
Os olhos gemem de desejo,
E a lágrima cai em vôos fantasmagóricos.
O amor, o raro e verdadeiro
Não está para os fracos, quem temem
Em abrir as portas de seu coração.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O verbo era saudade

O verbo era saudade
Quando o passo era distante
E as lembranças tão perto
Que sentia-se seu hálito,
O verbo era róseo, cor-sangria dos fins de tarde
Quando os faróis dos carros
Como glóbulos vermelhos nas avenidas
Regressavam ao lar...
E saudade é cicuta, é curare
Para que sorve nos dias os goles
Do próprio veneno.
O verbo era feliz
Quando a valsa em dois era uma só
E uma só é a força de quem ama
Capaz de trucidar o próprio peito
De felicidade.
Mas relembrando, o verbo não era...
O verbo é presente (de grego)
De tanta saudade.

Foto: José Meneses.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Cidade da cultura, Papai Noel, Velho do Saco e outras lendas. (Parte 2)

Durante cerca de quatro ou cinco anos tive longas conversas e discussões veementes a respeito de quais seriam as melhores ações sobre a política cultural no Crato com Abidoral. Ia a casa dele quase que diariamente ou ele a minha e por horas o assunto se estendia. Lendo agora a postagem do Dihelson sobre o mesmo assunto me vem à memória alguns pontos básicos sobre a discussão do tema, sejam no Crato, em Roma ou em Abaiara. As premissas básicas da discussão faltam até hoje nos projetos e planos culturais que temos em quase todas as cidades do Brasil. Desde aquelas que achamos que estão fazendo alguma coisa, passando por aquelas que temos a impressão que algo esteja sendo feito (o caso do Crato), até o caso das que estão sob o total abandono (90% das cidades brasileiras).
A cultura, como foi muito bem lembrado pelo professor Zé Nilton nos comentários do post do Dihelson, não pode ser resumida apenas pela arte, pela classe artística e tampouco pela simples elaboração de “eventos culturais”. O diagnóstico do problema tem sido repetitivamente errado ao longo de anos, e assim continuará sendo pelo único e simples motivo: Não há como elaborar algo por alguém se esse alguém não o conhece, ou, por vezes, na melhor das hipóteses, tem apenas uma leve impressão do que seja. É notório que a classe artística do Crato assim como em outras cidades rogam dia e noite por espaços, projetos que envolvam a possibilidade de mostrarem seu trabalho para sociedade, editais, planejamento etc. O que curiosamente acontece é que a cultura em seu termo mais específico não pode em hipótese alguma a ser considerada apenas a partir de eventos isolados, mesmo que ocorram o ano todo, com um calendário cultural. A cultura em si está em nosso dia a dia e a construção dela não parte apenas da premissa de cultuar a eventos, mas, sobretudo, de identificar as características seu povo e de fazer com que a mesma tome seu curso, respeitando suas tradições assim como percebendo suas modificações e sua dinâmica. A cultura que a cidade do Crato tanto orgulha-se de ter é certamente um grande arcabouço artístico que está diariamente sendo negligenciado. Eu mesmo na posição de secretário de cultura teria que ter um planejamento específico para a classe artística, pois, como fazer chegar a população nomes como Abidoral, Dihelson, Cleivan, Edelson Diniz, Manel, Herbeno Tavares, Guto, Sinhá D”amora, Vicente Leite, Padre Ágio, Divane Cabral entre tantos outros? Como fazer como que não só as novas gerações entrem em contato com obra de tantas pessoas que foram prejudicadas além de dar suporte para que essa própria nova geração tenha meios de desenvolver-se? Essas questões que nem de longe foram resolvidas e são apenas uma das tantas, pois a cultura estende-se por outras áreas ou achamos que o nível cultural da pretensa elite do Crato não é algo preocupante? Ou achamos que o nível de estudo de habitantes de áreas totalmente segregadas como Batateiras, Vila Lobo, Alto da Penha, Seminário não é de nossa responsabilidade? Ou o nível em que se desenvolve as aulas nas nossas universidades? A cultura em lugar nenhum do mundo foi feita apenas pela arte, mas, curiosamente no Crato estão querendo fazê-la como tal. E assim como dois mais dois não são cinco, artistas mais artistas não representam uma cultura por inteiro. A negação de toda produção cultural desenvolvida no ocidente ao longo da história seja nas artes ou nas ciências é uma conseqüência grave ao seio de qualquer população. A escolha aleatória de alguns elementos que compõem essa história é o que vemos mais comumente, deixando assim brechas enormes na formação cultural e intelectual do povo, provocando manchas em nossa cultura que vão desde o preconceito, racismo, ignorância, desinteresse por qualquer causa que não seja a própria, desvalorização do próximo, desvalorização da arte, até a desvalorização de tudo que não esteja imediatamente ligado ao ganho, ao dinheiro, ao lucro. Essas características é o que mais facilmente estão relacionadas a nossa verdadeira cultura, ao que realmente está na mente e nas atitudes do povo cratense. O que se quer diariamente no Crato a respeito de sua própria cultura é tirar leite de pedra. Não há como trabalhar qualquer problemática da cultura de um povo sem que a base educacional deste mesmo povo esteja intrínseca no projeto cultural.Algumas reflexões básicas que se deveria ter em qualquer projeto cultural são questões do tipo: Quem e o que se ensina em nossas escolas? Qual a visão de mundo que nossa juventude tem desenvolvido, ou melhor, qual o nível das pessoas que educa a população do Crato? Sabemos que não há literalmente diferença alguma entre a classe elitizada e a mais humilde da cidade, uma vez quem ambas estão num fosso cultural jamais visto ao longo da história. Curiosamente estamos em um período histórico que mais temos facilidade por adquirir cultura é a época de maior regressão cultural da história do país. A nossa, como a cultura de todo o restante do país está em desenvolver sua trajetória de vida baseada no sucesso econômico e financeiro, ignorando tudo o que seja necessário para formar a alma e a personalidade de um verdadeiro cidadão como ser humano, cidadão do mundo, desprendido das amarras e preconceitos que o circundam. A “elite” da cidade daqui, por sua vez, está preocupada em ser elite por mais cem anos, em sustentar-se como tal, e não em aprender o que quer que seja. A classe mais humilde tem os mesmos objetivos da elite, embora, por falta de “educação” (educação aqui entendida simplesmente por meios técnicos e/ou funcionais para adquirir-se um emprego) tem as mesmas finalidades, mudando apenas um ou outro detalhe.
Sendo o número de falhas tão abundantes o trabalho desenvolvido certamente não logrará êxito. O argumento pueril e falho de que a classe artística (como se essa fosse a única interessada na cultura de uma cidade) não compareceu a tal reunião ser motivo para cessar seu direito de argumentação é no mínimo contraditório, uma vez que eu mesmo já compareci a outras reuniões desta mesma secretaria onde se desenvolveria um tal plano de ações, onde toda a “classe artística” esteve presente, onde foram cadastrado seus devidos dados e áreas atuam e simplesmente NADA foi feito. O que dizer disso? Não há o que argumentar quando os inúmeros fatos sufocam as argumentações pífias e surreais. O que é urgente é a necessidade de perceber que a cultura do PAÍS está em estado convalescente enquanto os seus devidos responsáveis acham que isso tudo não passa de uma gripe! Quem dera!
Quando os senhores responsáveis pela cultura de nossa cidade unirem-se com os diretores de escola, reitores, coordenadores responsáveis pelos mais diversos cursos universitários, assim como representantes dos bairros, do comércio e das mais diversas categorias de nossa sociedade e traçarem um plano em que esteja desde a formação cultural de seu povo, empenhando-se aí em resgatar e adquirir o que há de mais rico na cultura do mundo, passando das artes a ciência, da filosofia a política, até o reconhecimento de sua própria identidade, de seus talentos e das características de seu povo, aí talvez comecemos a fertilizar o óvulo. O que dizer da classe culta do Crato que não sabe nada da vasta obra de um Dr. Borges por exemplo, apenas para citar um de tantos nomes que agigantam nossa cultura? O que dizer da classe acadêmica local que ignora um dos maiores filósofos do mundo que é o brasileiro Mário Ferreira dos Santos, e continua a tentar resolver problemas que já foram resolvidos por ele a mais de cinqüenta anos? O que dizer dos “formadores de opinião” de nossa região que desconhecem totalmente o que se passa na geopolítica da América latina? O que dizer do total desconhecimento das bases do pensamento filosófico desenvolvido por grandes nomes do século vinte que é totalmente impossível de se ver em nossas universidades? O que dizer das “melhores escolas” do cariri onde quase que nenhum aluno saberia dizer a diferença gigantesca entre um Michelangelo e um Pollock?
Quando pelo menos uma das questões acima for resolvida e os responsáveis pela cultura perceberem que a cultura não é feita apenas de pífanos, meninas com saias gigantes posando de intelectuais dançando ao som de bandas cabaçais e reisados calçadas com sandálias de couro (que é um atestado de intelectualidade, mesmo que o dono da vestimenta nunca tenha produzido nada na vida), aí talvez possamos, mas ainda com muito cuidado, muito precavidamente, sem ostentação alguma, sem querer envaidecer-se como “Cidade da Cultura”, dizer que estamos fazendo o mínimo. Daqui para este dia de sonho ainda existem longos anos de estudo e meditação em nossa sociedade. Por hora, ainda estamos na mais completa selvageria como uma horda de cães famintos a caça de comida em um bosque escuro, mas portando-se vaidosamente como águias.
Antonio Sávio Nunes de Queiroz

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Oração e Pecado

Deus, no delírio da carne eu cedi,
Cedi, pois o lábio rubro e trêmulo, infecto de pecado
É doce na boca de quem o beija.
Cedi aos olhos de uma medusa dos lábios em brasa,
Do passo leve como flocos de neve, de folhas
Que pairam caindo no chão.
Fraquejei ao tato-veludo, ao hálito de rosas,
Aos olhos-grilhões sobre meu ser que tão forte era
Forte até a hora de vê-la, fulgás em desejo,
Eterna em meu coração.
Cedi e minhas preces no meio do efêmero do gozo,
Da lascívia trêmula das carnes em delírio não me foram ouvidas.
Tentei, mas quanto mais tentava,
Mais o céu aparecia-me nas carnes, nos beijos, nos olhos...
Pois se o céu não for amor e não mais sei
O que poderia ser.

Foto: Carlos Hauck