domingo, 18 de abril de 2010

Valsinha francesa.

Silêncio dentro da noite
E vento nas rosas dos prados
E vôos nos dardos nos alvos,
E sangue nas veias dos braços
E goles de vinhos e sucos de línguas
Nas bocas que calam para as delícias da vida.

Foto: Paulo César

Hiato

As vozes que ainda murmuram na madrugada
Na velocidade dos carros, nas avenidas, artérias urbanas
Coagula em meu peito, meu rosto, minha força de homem
E sangram pelos meus olhos negros femininos.
São brados tão mudos e ouvidos atentos
Tão surdos de cores nessa vida em escalas de cinza
Acho que nada das sobras teremos para o jantar
De velas que sepultam as dores que me chegam pelos olhos
E espalham-se dentro da alma, feito luz
Refletida no prisma.
Nada das sobras e muito das sombras
Eu tenho para meditar e medir
Como se eu fosse uma régua de dores
Para mensurar o que dói no espaço vazio
Entre você e eu.

Foto: Antonio Carlos Castejón

sábado, 10 de abril de 2010

Poema empírico.

Eu decanto os versos
De cada poema,
Como quem corta os pulsos
Que a vida condena.
Olhos com dentes
Que mordem as lágrimas
Que riem, murmuram pensamentos
Nasce a poesia erguida ao sol
Com a mistura da cal, concreto e cimento.
Do beijo, palavra... Do hálito
Da boca sedenta brotam os versos
Dos músculos falidos
Que a realidade sustenta.

Foto: Vitor Raposo

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Estão todos dormindos, de Edson Nery da Fonseca

A beleza das digressões

Em sua nova obra, que pode ser definida como uma mistura de memorialismo e historiografia intelectual, Edson Nery da Fonseca, como que buscando um acerto de contas com o passado, traça o perfil de pessoas com as quais conviveu e que tiveram importância na formação de sua visão de mundo. Segundo o prefaciador da obra, o professor Anco Márcio Tenório Vieira, trata-se de “um memorialismo que se manifesta obliquamente, por subtração, como partes de uma reflexão maior”. De fato, Edson Nery, como uma espécie de Riobaldo do mundo real, tenta buscar um lastro de sentido na miríade de acontecimentos e de pessoas que visitam suas lembranças e acaba compondo um painel da história recente da cultura brasileira.

No seu livro anterior, Vão-se os dias e eu fico, publicado em 2009, o autor partia de sua história pessoal e acabava falando de episódios e personagens; em Estão todos dormindo, o caminho é inverso – a partir da caracterização de outros, ele acaba, hábil e subliminarmente, revelando sua personalidade e seu pensamento. Este último livro é mais uma prova de que se trata do autor mais competente do País em atividade no gênero memorialístico.

Edson Nery formou-se intelectualmente numa época em que intelectuais eloquentes e eruditos, como Álvaro Lins, Gilberto Freyre e Otto Maria Carpeaux, movimentavam o debate cultural brasileiro. O texto de Edson Nery da Fonseca, personalista, amplo e digressivo, é, sem dúvida, devedor desses grandes estilistas já desaparecidos. O grande mérito das narrações de cada perfil é como o escritor consegue relacionar seu personagem com o momento histórico e com a ideias de cada época. A reflexão não se limita, portanto, à contribuição intelectual de cada indivíduo: Edson Nery, utilizando-se de sua erudição e senso crítico, mostra o papel que essas ideias desempenharam na dinâmica da história cultural recente do País. Ao falar de seu amigo Anísio Teixeira, por exemplo, que em geral é exclusivamente lembrado como grande educador, o autor apresenta outras dimensões do personagem, como a religiosa e a política, tudo isso imiscuído a episódios retirados da relação pessoal entre os dois.

O pensamento do autor sobre a morte é uma constante no livro: todos os personagens já se foram, “estão todos dormindo, profundamente”, como no verso de Manuel Bandeira. A obra reflete a humildade daqueles que – como um James Boswell em relação à Samuel Johnson, reconhecem-se não como protagonistas da história, mas como apaixonados admiradores e divulgadores daquilo que é intelectualmente importante e, principalmente, daquilo que é belo.

(Eduardo César Maia)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

VER(A)CIDADE E AS PESSOAS


A fumaça dos carros

E as sombras que apalpam


Os prédios nos fins de tarde

Calam brados em mordaças

E lágrimas, que os passantes

Respondem com escarros.

As dores todas num cantochão

De vozes mudas correm cegas

Nas passarelas sobre as avenidas

Balbuciam mudas na foto do jornal

Que espicham o sangue hepático

Patético como as faces tristes

Deste funeral que se dá em letras

Correndo esta folha

Em forma de estertor... Ou quem sabe...

Em forma de poesia.

Foto: Joana Boavida