terça-feira, 27 de setembro de 2011

Até o limiar da dor.

Eu sei que há dores que o grito não basta para expressar
E que a lágrima é muito pouca para o quanto temos que sangrar
As pegadas na própria alma não são feitas para sair, mas apenas para machucar.

No meio da treva densa, dessa escuridão imensa você sumiu atravessada por uma lança, também a cair e gemer, também e como sempre, a sangrar.

Mas nestes casos a morte não resolve muita coisa, não dá para esquecer...a dor ultrapassa as vidas, pois o que doi hoje, vem de tempos de vidas e vidas, e sempre vem muito mais.

A dor de hoje tem a cor da luz de mercúrio, das velas caravagescas, é o bastante somente para ver o despero e os cavaleiros do apocalipse querendo muito mais.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nada mais que isso.

O amor, a palavra antiga, atual, usada, mentida
Está acima do mencionado, da palavra escrita
Que fere o papel.
O amor é pétala ao vento, não vista mas sentida
É uma dor quer quer ser doída, é um olhar, um gesto, uma não-palavra
O que dizem os poemas, o que está rabiscado em desenhos, O que flutua no quadro
É rarefeito, é apenas o que foi possível na imensidão do sentir, escrever, desenhar, pintar.
O amor, quando amor verdadeiro, como o voo do pássaro, como o toque dos dedos, dos lábios...
Tudo é pequeno, pois muito pouco se pode dizer sobre o tanto ele seja
E é amor e nada mais do que isso, o que sinto.

Foto: Nika.

domingo, 25 de setembro de 2011

Quero meu país de volta - Bruno Tolentino

Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino, menino carioca de família aristocrática, gosta de dizer que é de um tempo em que rico não roubava. O avô foi conselheiro do Império e fundador da Caixa Econômica Federal e seus tios eram intelectuais, como os escritores Lúcia Miguel Pereira e Otávio Tarquinio dos Santos, além dos primos Barbara Heliodora, a crítica teatral, e Antonio Candido, o crítico literário. Ainda era analfabeto em português quando duas preceptoras, mlle. Bouriau e mrs. Morrison, o ensinaram a conversar em francês e inglês dentro de casa. Tolentino saiu do Brasil em 1964 e, no estrangeiro, ocupou-se de árvores genealógicas de origem erudita.

Orgulha-se de ter filhos com mulheres descendentes do filósofo Bertrand Russell e do poeta Rainer Maria Rilke. O mais novo, Rafael, de 8 anos, nascido em Oxford, Inglaterra, onde o pai ensinou literatura durante onze anos, é filho da francesa Martine, neta do poeta René Chair. Bruno publicou livros de poesia em inglês e francês. Em 1994, lançou no Brasil As Horas de Katharina, e no fim do ano passado mais dois, Os Deuses de Hoje e Os Sapos de Ontem — todos ignorados pela crítica, pelo público e pelos curiosos.Aos 56 anos, já de volta ao Brasil, Tolentino tem feito força para tornar-se herdeiro do embaixador José Guilherme Merchior, intelectual de boa formação e polemista musculoso. Tem conseguido aparecer. Brigou com os poetas concretos, depois com o que considera máquina de propaganda de Caetano Veloso e sua turma. Em seguida, com os críticos literários e os filósofos, elevando ainda mais o tom numa entrevista publicada por O Globo, duas semanas atrás. Fora do país, Tolentino ensinou em Oxford, Essex e Bristol e trabalhou com o grande poeta inglês W.H. Auden. Conheceu celebridades como Samuel Beckett e Giuseppe Ungaretti. Horrorizado com a possibilidade de ver o filho mais novo crescendo em escolas que ensinam as obras de letristas da MPB ao lado de Machado de Assis, abriu fogo contra o que considera o lado ruim de sua pátria, como explica em sua entrevista a VEJA:

VEJA — Por que tantas brigas ao mesmo tempo?

TOLENTINO — Para ver se o pessoal cai em si e muda de mentalidade. O Brasil é um país vital que está caindo aos pedaços. Não quero sair outra vez da minha terra, mas não posso ficar aqui sem minha família, que está na França. Não posso educar filho em escola daqui.

VEJA — Por que não?

TOLENTINO — Foi minha mulher quem disse não. Educar um filho ao lado de Olavo Bilac, última flor do Lácio inculta e bela, que aconteceu e sobreviveu, ao lado de um violeiro qualquer que ela nem sabe quem é, este Velosô, causou-lhe espanto. A escola que ela procurou para fazer a matrícula tem uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e Caetano. O menino seria levado a acreditar que é tudo a mesma coisa. Ele nasceu em Oxford, viveu na França e poderá morar no Rio de Janeiro. Ele diz que seu cérebro tem três partes. Mas não aceitamos que uma dessas partes seja ocupada pelo show business.

VEJA — Qual o problema?

TOLENTINO — Minha mulher já havia se conformado com os seqüestros e balas perdidas do Rio, mas ficou indignada e espantada pelo fato de se seqüestrar o miolo de uma criança na sala de aula. Se fosse estudar no Liceu Condorcet, em Paris, jamais seria confundido sobre os valores do poeta Paul Valéry e do roqueiro Johnny Hallyday, por exemplo. Uma vez entortado o pepino, não se desentorta mais. Jamais educaria um filho meu numa escola ou universidade brasileira.

VEJA — Não é levar Caetano Veloso a sério demais? Ele não é só um tema de currículo, entre tantos outros?

TOLENTINO — Não. Ele está também virando tese de professores universitários. Tenho aqui um livro, Esse Cara, sobre Caetano, uma espécie de guia para mongolóides, e a mesma editora desse livro me pede para escrever um outro, sob o título Caetano Se Engana. É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura.

VEJA — O que você tem contra a música popular?

TOLENTINO — Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de música vai se confundir com poesia?

VEJA — O senhor não está ressentido por ele ter assinado um manifesto contra um artigo seu sobre uma tradução do poeta Augusto de Campos? No fundo, parece que o senhor está querendo aparecer à custa deles.

TOLENTINO — Não tenho ressentimento nem ciúme. Nem tenho nada contra quem assina manifesto. Se você vê um amigo seu brigando na rua, o mínimo que pode fazer é ir lá apartar. Foi o que ele fez no caso do Augusto de Campos. Só que assinou um cheque em branco. A princípio, achei que ele tinha entrado de gaiato, e lhe dei o benefício da dúvida, sobre uma questão muito delicada de tradução e de cultura que ele não está capacitado para julgar. Nem ele nem Gal Costa. Que intelectuais são esses? Se os irmãos Campos não sabem inglês, imagine eles.

VEJA — Os poetas e tradutores Augusto e Haroldo de Campos não sabem inglês?

TOLENTINO — Não sabem inglês, nem alemão nem grego. Por exemplo, traduziram Rainer Maria Rilke e criaram a frase “ele tem um pássaro”, que é literal, mas que, em alemão, quer dizer que alguém tem uma telha a menos, é meio doido. São péssimos poetas e péssimos escritores. Não sabem absolutamente nada do que alardeiam saber.

VEJA — Por que só o senhor, e não outros críticos, diz essas coisas?

TOLENTINO — Na República das Letras, ainda estamos à espera das diretas-já. A usurpação do poder legal por vinte anos deixou-nos seus legados nas patotas literárias que desde então controlam a entrada em circulação, ou a exclusão pelo silêncio, de livros, autores, obras inteiras. Nas redações dos jornais como nas universidades, prevalece a censura, e o único critério para sancionar uma obra parece ser o bom comportamento do neófito, sua genuflexão aos ícones da hora. Nossa crítica suicidou-se, matando o diálogo, o debate e a polêmica. Mascarados de universitários, esses anõezinhos conseguem dar a impressão de que a inteligência nacional encolheu, de que, em Lilliput, só se sabe da cintura para baixo. Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: “Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem”. Mas José Miguel Wisnik ora é crítico, ora é letrista e compositor, portanto é catedrático. Os violeiros empoleiraram-se nas cátedras, e Fernando Pessoa virou afluente da MPB. Não é à toa que até em Portugal os brasileiros viraram piada. Ouvi uma que provocava gargalhada logo à primeira frase: “Um intelectual brasileiro ia começar a ler Camões quando a banda passou e…” É preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar?

VEJA — Por que o senhor acha os críticos brasileiros ruins?

TOLENTINO — O que os críticos disseram sobre meus trinta anos de poesia? Só, desonestamente, que minha poesia é arcaizante e não suficientemente progressista. Que eu, o escritor Diogo Mainardi e — como é mesmo o nome do marido da Fernandinha Torres? — o diretor Gerald Thomas somos figurinhas carimbadas porque somos amigos de gente famosa. Quer dizer, chamam a atenção para a pessoa e não para a obra. E toda pessoa é discutível. Eu sou meio apalhaçado mesmo. A minha biografia é interessante, meio cinematográfica, e assim é como se eu não tivesse escrito nada. Uma espécie de Ibrahim Sued das letras.

VEJA — Mas o que aconteceu com os críticos para que se tornassem tão incapazes, na sua opinião?

TOLENTINO — A crítica brasileira não existe mais. Cometeu um haraquiri muito bem pago. Trocou sua independência por cátedras e verbas. É uma gente venal, vendida, que controla as nomeações para as cátedras, bolsas e verbas. Vão se meter com um maluco como eu? Todos, de Roberto Schwarz a David Arrigucci, foram formados pelo meu primo Antonio Candido, que é um geriatra nato.

VEJA — Caramba… Não sobra nenhum crítico brasileiro?

TOLENTINO — Sobra, evidentemente, Wilson Martins, que não tem lá muito gosto poético, mas enfim…

VEJA — O senhor também não sobra?

TOLENTINO — Em vários sentidos. Não tenho onde escrever. Sou herdeiro, e me considero assim, da combatividade crítica de José Guilherme Merquior. Crescemos e fomos amigos juntos, tínhamos idéias convergentes embora nem sempre coincidentes. Quando ele morreu, em 1991, houve um grande suspiro de alívio entre nossos críticos e poetômanos. Infelizmente, ele era embaixador. Eu não sou embaixador de nada. Essa gente está morta de medo de que eu venha a ter uma tribuna. Não me importa ser celebrado lá fora. Não faço falta lá, há muitos outros como eu. Aqui, com esta independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu.

VEJA — Sem embaixada, o senhor vai ser só poeta?

TOLENTINO — Minha obra poética está basicamente terminada. Escrevi poesia por mais de trinta anos e não conheço nenhum outro poeta, além de Manuel Bandeira, que tenha conseguido escrever bem além dessa média. A partir daí, decai. Estou transferindo o meu esforço para o ensaio. Falar, por exemplo, dos males que a ditadura causou ao país me parece cada vez mais um sintoma do que uma causa. É um sintoma do Febeapá, vem no bojo dele. A imbecilidade já crescia. A ditadura simplesmente institucionalizou a falta de respeito pela realidade, pelo próximo, pela legalidade. A verdade foi substituída pela verossimilhança, a literatura, pela imitação da literatura.

VEJA — O senhor poderia dar exemplos disso?

TOLENTINO — Foi Wilson Martins quem levantou essa idéia, ao dizer que as obras de Chico Buarque e Jô Soares eram imitações da literatura. Auden, o Drummond lá dos ingleses, também dizia algo parecido. A gente lia um cara e concluía que ele era muito ruim. Auden discordava, dizendo que ele era muito bom. “Faz a melhor imitação de poesia que já li”, dizia. Parecia piada, mas não era.

VEJA — O senhor acha que a imitação é ruim?

TOLENTINO — A imitação da literatura se dá quando se fecha no círculo de ferro na modernidade. Ela obriga o leitor a seguir moda, busca efeito imediato, como se tudo começasse por você, naquele momento. A verdadeira literatura está sempre acuando tudo que a precedeu. Quincas Borba, de Machado, contém toda a novelística russa, e também Balzac. Wilson mostrou com muita acuidade e mordacidade que os romances de Chico são uma reedição do nouveau roman, que já morreu. Agora morreu a última representante dele, Marguerite Duras. Conheci toda aquela gente do nouveau roman, Alain Robbe-Grillet, Michel Butor, e saí correndo. Chato existe em todo lugar, não só no Brasil. Mas Wilson foi injusto com a imitação do Jô. É uma coisa que não pretende ser mais do que aquilo mesmo, divertir.

VEJA — Por que o senhor não vai ensinar o que sabe nas universidades?

TOLENTINO — Só entro numa universidade disfarçado de cachorro ou levado por uma escolta de estudantes. Sou um vira-lata muito barulhento. Não vão me convidar para nada porque eu quero acabar com os empregos e mordomias deles. Quero que eles passem por todos os exames de Oxford para ver se sabem mesmo alguma coisa.

VEJA — Então as universidades não servem para nada?

TOLENTINO — A escola pública desapareceu. A fórmula de sobrevivência do país é a trilogia emprego público, de preferência com aposentadoria acumulada, condomínio fechado e plano de saúde. Esse é o apartheid construído por uma elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura. Nem estou falando da nossa classe média, que tem dinheiro para gastar em boates e shows e sair de lá gargarejando cultura.

VEJA — O senhor tem acompanhado a produção intelectual das universidades brasileiras?

TOLENTINO — O departamento de filosofia da Universidade de São Paulo nunca produziu filosofia nenhuma, não por inépcia ou preguiça, mas por um estranho espírito de renúncia parecido ao espírito de porco. Cultivavam a crença de que só poderia nascer uma filosofia no Brasil “ao término de um infindável aprendizado de técnicas intelectuais criteriosamente importadas”, como diz um professor de lá. Mais urgente do que filosofar era macaquear os debates dos “grandes centros” produtores de cultura filosófica. O que significava tomar o padrão europeu do dia como norma de aferição do valor e da importância do pensamento local. Imaginando ou fingindo preservar a mente brasileira de uma independência prematura, o que os maîtres à penser da USP fizeram foi apenas incentivar a prática generalizada do aborto filosófico preventivo. Não espanta que, por quatro décadas, o “rigor” (com aspas) uspiano não produziu outro resultado senão o rigor mortis de uma filosofia que poderia ter sido o que não foi.

VEJA — Mas José Arthur Giannotti escreveu um livro de filosofia, Apresentação do Mundo, que foi muito elogiado…

TOLENTINO — É, ele escreveu um besteirol sobre Ludwig Wittgenstein saudado em suplementos de várias páginas como marco do nascimento da filosofia no Brasil. É uma audácia depois de Mário Ferreira dos Santos, Miguel Reale, Vicente Pereira da Silva e Olavo de Carvalho. Nós temos uma filosofia nativa, isso sem falar da filosofia de cunho religioso, teológico, que eu não vou citar porque sou católico e vão dizer que estou puxando a brasa para a sardinha da Virgem Maria. Passei cinco meses garimpando nas páginas daquele livro e não encontrei nada que não fosse uma leitura do que Wittgenstein acha da dificuldade lingüística de compreender a realidade. Isso a gente já sabe, a partir do próprio Wittgenstein. Uma filosofia nacional não tem nada a ver com isso.

VEJA — Tem a ver com o quê?

TOLENTINO — A cultura filosófica brasileira é quase nula. Nossos professores gastaram décadas lendo Marx, em vez de Husserl. Aqui só dá o tripé Kant, Hegel e Marx. E onde está a grande tradição escolástica que vai de Aristóteles a Husserl? Isso não é lido nem discutido aqui. Mas existe uma filosofia brasileira. Reale e Olavo de Carvalho, que não se formaram em lugar algum, não perderam tempo com essa estupidez. Foram estudar e aprender as tantas línguas que falam. Eu, quando tenho dificuldade com latim, grego ou alemão, é para eles que telefono.

VEJA — O senhor não está exagerando, sendo duro demais?

TOLENTINO — Não. Não passei nenhum dia aborrecido aqui. Sempre encontro gente inteligente. Quando cheguei à Europa, não tive nenhum complexo de inferioridade. É verdade que eu conheci em casa o que o Brasil tinha de melhor. Faço parte do patriciado brasileiro. E não via diferença entre Ungaretti e Manuel Bandeira, só de língua. Era a mesma coisa. Não havia um Terceiro Mundo na minha cabeça. Eu, quando pequeno, conheci Graciliano Ramos e Elisabeth Bishop. Só havia gente dessa categoria.VEJA — Dá a impressão de que só agora se começou a falar e a escrever besteira no país… TOLENTINO — O besteirol, se havia, estava lá longe, nos cantos. Hoje ele está no centro. Tem razões mercadológicas, de dinheiro. Os artistas devem ganhar muito, muito dinheiro, para ir gastar em Miami. Só não é possível que esses senhores usurpem a posição do intelectual. Eles são um formigueiro com pretensão a Everest.

VEJA — Não é bom para o país ter um intelectual na Presidência da República?

TOLENTINO — Votei no Fernando Henrique Cardoso porque era uma oportunidade única, desde Rui Barbosa, de ter um intelectual no poder. E o que ele fez na sua primeira entrevista coletiva? Citou Machado de Assis ou Euclides da Cunha? Não. Citou o mano Caetano. Uma coisa tão espantosa quanto Rui Barbosa, se tivesse ganho a eleição, citasse Chiquinha Gonzaga. O Brasil que eu conheci, e do qual me recordo vivamente, era um país de grande vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província. Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Para quem não sabe o que é conservadorismo: Roger Scruton!

Em outubro de 2009, o Clarion Review publicou uma ótima entrevista com o filósofo político Roger Scruton que foi traduzida pelo blog português Dextra, que não mais existe. Felizmente, o blog Nada disto é Novo havia reproduzido a maior parte da tradução. Alguns trechos:

Como o Sr. encontra tempo para escrever, ensinar, ser fazendeiro, dar consultorias, caçar e viver? O Sr. segue uma disciplina diária severa?

Tenho sido abençoado com energia e disciplina desde terna idade. E observo uma disciplina severa: borgonha branco às 7:30 da manhã e claret ao jantar.

O Sr. descreveu o conservadorismo como sendo "amar o mundo pelo que ele é." O que o Sr. quer dizer com isto?

O conservadorismo envolve, como você diz, amar o mundo como ele é -- não todo ele, mas aquela parte que conseguimos receber dos mortos. Isto significa reconhecer o quanto é mais fácil destruir que criar. Isto envolve uma atitude de amizade em relação à comunidade, ao invés de um desejo de refazê-la em cumprimento a algum objetivo oni-abrangente. E assim por diante.

O que diferencia o conservadorismo do liberalismo ?

O problema com o liberalismo clássico é que ele nunca pára para examinar o que está em questão quando se diz "não prejudicar os outros." Será que deixo os outros ilesos quando destruo minha capacidade de me relacionar pessoalmente por causa do uso de drogas, promiscuidade e vício em pornografia? Será que deixo os outros ilesos quando me entorpeço com música pop? Não tenho nada contra o individualismo, desde que se reconehça que o indivíduo é criado pela comunidade e pelos limites morais que aí prevalecem. O indivíduo não é a fundação da sociedade, mas seu sub-produto mais importante.

Muita gente considera o conservadorismo uma forma de nostalgia romântica, uma reverência irracional ao passado. Como o Sr. responderia a isto?

Todas as formas de crença social e política que temos diante de nós, hoje, se relacionam com o movimento romântico, pois este é o arquétipo de nossa contínua tentativa de viver de acordo com nossos próprios planos. Na verdade, isto se aplica mais ao socialismo do que ao conservadorismo -- sendo o socialismo uma espécie de nostalgia mórbida do futuro, que é ainda mais prejudicial do que a nostalgia do passado. E esta palavra, "nostalgia" -- o que significa? A ânsia pelo nostos, o "retorno ao lar", oHeimkehr, que é o coração de qualquer reflexão séria sobre nosso tempo na terra. Só é preciso se distinguir entre as formas positivas e negativas dela. O Renascimento foi um grande movimento de nostalgia em relação ao mundo clássico; e veja como ele abalou tudo!

A via da alta cultura pode servir como um substituto para a fé religiosa? A via estética não está restrita a uma pequena elite?

Nada pode substituir a fé sobre a qual uma civilização foi construída. Mas a alta cultura pode beneficiar a todos, mesmo que seja só uma elite que participe diretamente dela. A ciência benficia a todos, muito embora só uns poucos a entendam. Acredite ou não, o mesmo vale para Beethoven, comos os ingleses descobriram na última guerra. Os concertos e transmissões de música clássica, sobretudo da quinta de Beethhoven, tornaram-se símbolos de uma rebeldia que não poderiam ser facilmente representados pela cultura popular, que não ia tão longe dentro do espírito. As elites são necessárias aos que não pertencem a elas; e aquilo que serve como alimento para o espírito dos líderes é alimento para os que seguem.

O Sr. já escreveu que muitas instituições educacionais permanecem sob o controle de uma "cultura do repúdio" nihilista. O que os estudantes modernos podem fazer para adquirirem uma educação adequada e se civilizarem, dadas as distrações da vida moderna?

A auto-ajuda é uma filosofia tão válida hoje quanto no século 19. Eu me lembro de ter visitado estudantes nos antigos países comunistas que tinham sido expulsos das universidades e tomavam a iniciativa de convidar pessoas do Ocidente (e sobretudo anti-socialistas como eu) para falar para eles. Pessoas inteligentes sempre conseguem se erguer acima de seu meio, desde que se armem com as três grandes armas conservadoras: o humor, a ironia e o desprezo.

O Sr. recentemente se mudou para os Estados Unidos e agora divide seu tempo entre o interior da Virgínia e a Inglaterra. Do que o Sr. mais gosta na Virgínia? E do que o Sr. sente falta na Inglaterra e que seria mais bem-vindo se fosse possível trazer no avião?

Os refugiados do estatismo europeu sempre ficam espantados em descobrirem na América uma sociedade na qual as pessoas ainda sentem prazer no sucesso dos outros. O ressentimento ainda não é a atitude dominante lá. E quando há um desastre, as pessoas se apressam em ajudar. Eles também se oferecem como voluntários para serviços de resgate e coisas assim e têm um interesse real em melhorar a comunidade -- uma coisa que Tocqueville notou no século 19 e ainda é verdade hoje. A América é uma sociedade fundada no ato de dar, não de pedir. A Europa é uma sociedade construída sobre os "direitos humanos"; em outras palavras, exigências mesquinhas por cuidados alheios.
Por outro lado, há aspectos da Europa -- e da Inglaterra, em particular, de que sinto falta lá. A mais importante é uma legislação urbanística construtiva e sensata. A América é uma bagunça, com cidades esfaceladas e evisceradas, áreas centrais metropolitanas que são abomináveis e não têm semáforos ou espaços públicos e uma zona rural invadida pela expansão dos subúrbios. É espantoso ver que um país tão rico e tão bem bem abastecido pela natureza tenha decidido tornar-se um depósito de lixo. Por outro lado, em muito deste lixo aparece um sorriso da Disneylândia e devemos ficar gratos por isto.

Fonte: http://www.brunogarschagen.com/