domingo, 27 de março de 2011

Educar é elevar o espírito.

A busca do conhecimento é algo inato ao ser humano. Ninguém conscientemente prefere viver nas trevas da ignorância podendo facilmente acessar a luz da inteligência. No entanto, o estudo requer a identificação de um chamado interior, para que tudo aquilo que se queira aprender passe a ter um contexto adequado a cada um de nós. Nada mais é do que encontrar uma razão pela qual estudar um determinado assunto se torne importante em nossas vidas. Mas se uma mudança de postura começa dentro de nós mesmos, o segundo passo é mudar o nosso ambiente – seja restaurando o mínimo de razão nele; seja abandonando-o de uma vez por todas. E, como se fossem círculos concêntricos, essas mudanças de atitude devem se expandir, criar um vínculo entre as pessoas, num sentimento mútuo de que é realmente possível tornar menos insuportável a nossa vizinhança, o nosso bairro e, por que não dizer?, a nossa cidade, o nosso país. Qualquer ensinamento parte de precisas definições. Os conceitos fundamentais de um assunto são o que dão suporte ao que se eleva como conhecimento. Por outro lado, há sempre uma tentação irascível de saltar diretamente às tendências mais modernas, sem a preocupação de uma formação anterior. Também não seria ousadia dizer que, num empenho em buscar um pensamento estritamente novo e original, pode-se acabar por recusar ou esquecer uma tradição de pensamento já existente. Longe de negar o que ainda se possa fazer do futuro, mas nos privarmos do que possuímos de forma efetiva em sólidos fundamentos, reinventando uma cultura sem antes herdarmos as tradições existentes que expressam realmente o que somos, é repetir a experiência de formação de uma classe intelectual que não enxerga além de seus cacoetes sem sentido. Quando falamos em cultura, devemos abarcá-la em todas as suas possibilidades para definirmos bem o motivo que nos leva à manutenção de uma tradição. Grosso modo, e para não me estender demais neste tema que é, em verdade, o pano de fundo do que pretendo discutir aqui, toda uma tradição e seus costumes dedicam-se à unificação. É um elo entre um povo ou nação, aquilo que o torna único, que cria vínculo entre pessoas. Assim, tais tradições e costumes expressos principalmente nas artes têm apenas uma função: educar. Certamente os costumes e tradições vão evoluindo junto com uma cultura universal. Note que universal aqui é usado como uma ligação com o Eterno. Todavia, na ânsia de buscar uma cultura popular, tolera-se ignorar uma ligação – ou diálogo – com essa cultura universal. Não criamos a literatura, tampouco o teatro ou a pintura. Tratam-se de formas universais de expressão cultural. E ignorando este diálogo cria-se o que convencionalmente chamamos de crise. Segundo o filósofo Mário Ferreira dos Santos*, a palavra grega crisis significa separação, abismo. Onde há crisis, há uma separação, e separar é abrir distância entre pares. Mas como surgiria a ação de separar se não existisse aquilo que une? Eis aqui o ponto de vista acerca do coração desta crise: qual o elo entre os brasileiros? O que nos une? Nesta direção, observamos o fato de que habitua-se a memória para absorver somente alguns adornos, pouco se ocupando com os valores mais intrínsecos. Porque mesmo uma tradição ou costume pode ter qualidades nefastas. Na civilização Maia, para dar um exemplo, era costume extrair o coração de pessoas vivas em sacrifício aos deuses, enquanto batucavam-se ritmos ritualescos. E creio eu não haver um ser vivo não-dependente de haloperidol que se entusiasme na presença de tão infausta tradição. O que então devemos resgatar culturalmente? Tudo aquilo que possa se conectar com o Eterno, livrando-se, sem nenhuma culpa, daquilo que é lutuoso, imprestável e que fatalmente nos diminui. Educar é elevar o espírito. E só é possível uma ascensão quando olhamos para o alto, quando buscamos acessar o que nos parece inatingível. É uma forma de superação que traz consigo a possibilidade de crescimento, seja como indivíduo; seja como nação.

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* Santos, Mário Ferreira dos. A Filosofia da Crise, São Paulo, Editora Logos, 1956

Autor: Rodrigo Chiuso


Fonte: http://www.diogochiuso.com


Nota: Veremos até quando a arrogância patética do Brasil vai insistir em ignorar o Mário. Os frutos disso já estamos colhendo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Poeminha quase brega.

Os sonhos de outonos distantes,
As astes dos trigais maduros
Dobrados pela ventanias,
Os monjolos, os moinhos carregados de tempo
Tudo isso é jovem, mui recente,
Perto de tua companhia.
És portanto algo novo,
Com gosto de outros tempos,
De um intuir, de pressentir notas ocultas.
És para mim um saber sem prova,
Uma latência, um sabor.
Uma existência quase íntima,
Mas ainda por existir.
És tudo que eu sei, ou do que,
Outrora saberia.
És o que eu sei que há,
Mas se fosse ter que contar,
Nem em versos poderia.
És o incontável,
Mas que porém, o tato,
A visão, e o palato, apreciam.

Foto: A noite Americana
Autor: R de Rien

quarta-feira, 9 de março de 2011

Chove



Chove em silêncio lá fora
Chove e troveja aqui dentro
Escorrem lágrimas nas calhas
Como sangue em veias
Vazadas pela lâmina fria das navalhas

Chuva de vento, chuva-vendaval
Um fuzilar de trovões dentro de mim
Por quase nada, muito pouco
Uma ira por ausências que não se explicam
Iras reais, e amores de festim

Mundo silentes, invisível
Risível para que não vê
Visões de tormentas e alegrias
Irresistível para quem te capta
Para quem te prova
Intransponível, o não te ter.

O cosmo e o caos em uma tez
Um simples rosto?
Complexo ser...o caos é tua ausência
O cosmo gira o redor do teu ser.

Foto: Mário Ferreira