domingo, 18 de dezembro de 2011

Onde estou? Dentro de tí.

 
Quarry
Ei, você que não sabe
Que eu vi quando tua lágrima caiu,
Que sempre estive perto, tão perto
Que você não viu que sempre estive dentro de você.
Você que não sabe que o brilho dos teus próprios olhos marejados
Sempre foram os faróis a me darem esperança,
Você que dança neste eterno caminhar
Como quem busca não se sabe o quê
Mas se quiser saber procure dentro de você
Pois dentro de mim, você já está.
Você que tem, o sentido de toda existência,
Que tem a latência de toda minha felicidade,
É só sorrir, para o dia nascer
E estas lágrimas que agora douram tua pele Rebente em prismas, pelos raios de luz, que se farão em pétalas a infestar o ar.


Foto: Elton
Fonte: http://olhares.uol.com.br/

sábado, 26 de novembro de 2011

PRAZERES HEDIONDOS


                Pedro saiu cedo de casa e cedo chegou ao trabalho. Cigarro no bico digitou por horas na redação do jornal. Detestava chavões e por isso evitava beber café por ali embora gostasse. Era uma vaidade besta, uma tentativa de ser diferente entre os diferentes. De poucas amizades pouca falava e era conhecido como um idiota arrogante.
                Ao fim do dia passou na praça da luz. Fumava ali ao som da brisa do mar vendo os coqueiros vergar-se ao vento. Não sabia explicar por qual motivo os prazeres da vida eram tão rápidos. Logo daria à hora de voltar para casa ou pegaria um trânsito infernal pela avenida Anita Garibaldi.  Ao virar-se da praça para frente do boteco que estava viu Amanda, sua esposa passar de carro com um homem as gargalhadas. A angústia, o medo e a raiva apareceram-lhe pressionar os globos oculares. Não poderia ser verdade.
                Em poucos segundos viu todos os defeitos de sua esposa e toda uma retórica de Cícero emperrar em sua garganta comprometendo-lhe a respiração. Pagou e não esperou o troco. Em uma tragada a vermelhidão do fumo resumia o estado de seu cérebro. Narinas dilatadas entra no carro e arranca. Ainda sabia fazer as irresponsabilidades que há anos recusava-se, como homem responsável, a fazer.
                Passou dois faróis vermelhos e acompanhava o carro dela de vista. Quase atropelou um ciclista que, com o susto jogou-se para o lado de um posto de gasolina. Indiferente como um cego prosseguiu. Nesse instante já estava mais calmo, já tinha a situação sobre controle e a traição sofrida já lhe era quase um prazer. Sorria dentro do carro e olhava-se pelo retrovisor sorrindo e dizendo: - Putinha barata. Aliás, nem tão barata. O seu caso transa contigo de graça e eu quem te pago comida, roupa lavada e viagens. Enfatizava com ódio: Viagens!
                Na esquina, próximo a um retorno o carro para e estaciona em uma galera e descem os dois. Ela nunca parecera tão alegre. Os cabelos ao vento lembram uma propaganda de xampu.  Isso o indignava ainda mais. Entraram em uma perfumaria e Pedro em uma floricultura ao lado. De lá ouvia as gargalhadas e palavras entrecortadas:
                - Amor olha este.
                Pensava Pedro: - Ele está sentindo algum perfume que ela sugere.
                A morena baixa de seios pequenos da floricultura atalha:
                - Senhor, posso ajudar?
                -Sim sim! Hortências por favor!
                Hortências eram as preferidas de Amanda. Lembra quando aos vinte anos pintara um quadro dela com um ramo delas ao colo. Achava aquilo meio brega, mas cedera embriagado de amor. Pensava com ódio quantas vezes cedera por amor. Uma promoção na Europa recusada, viagens não feitas, diversões amputadas em troca de quê?

                Apanhou a compra medíocre e ainda conseguiu ouvir a última frase deles na botica:
                - Não posso chegar com um perfume desses em casa. Isso é caríssimo, meu... – Baixou a voz e sussurrou no ouvido do amante: - Ele ia notar. É caro demais. Teria que dar satisfações.
                Nesta frase ele gozou de um prazer estranho. Embora sofresse pela traição era mínimo tudo isso. Iria tripudiar de seus sentimentos de um modo que lhe chamariam de mostro. Correu para a botica e comprou o presente recusado pelo cálculo dela. Ainda seguiu-os e viu quando pararam em um restaurante.
                Sorriam em uma alegria que era uma afronta. Ela tinha os olhos reluzentes e ele, este estranho canalha de unhas bem feitas. Devia ter menos de trinta e cinco anos. Ela bebia um vinho branco e depois algo que ele não conseguia identificar de longe. Achou por bem ir para casa.
                Abriu a porta do guarda roupas e no maleiro colheu a câmera nova que nunca usara. Ligou-a escondida em uma tralha de livros e bonecas de pano em uma estante sobre a TV. Ás seis e meia ela chegara. Tinha uma mesa feita, lindíssima. As velas brilhavam nos castiçais e casa cheirava, no ar uma fronteira entre um incenso de acácias e as ervas finas do molho carne. Ela entra surpresa com olhos arregalados e um sorriso preso no canto da boca. A palavra amor arrasta-se no ar:
                - Amor? O que isso tudo?
                Ele quase feliz com o teatro armado fala cínico:
                - Já respondeste meu anjo! É amor.
                Pedro falava a palavra amor em um sadismo inacreditável. Ele mesmo dizia para si: - Estou um espetáculo!
                Ele a arrastou para sua cadeira e pediu:
                - Não diga nada meu anjo. Apenas prove.
                Ela feliz com a surpresa obedeceu. Provaste a carne que quase derretia em sua boca:
                - Delícia. Mas amor por que tudo isso?
                Ele olhando em seus olhos apenas repetia:
                - Coma coma!
                A sua frente pôs-lhe o presente. O perfume que não comprou ele a dera. Estava ali, encaixado e com fitas verdes. Ele sabia que ela adorava verde. Ela de imediato apanhou o presente e abriu como uma criança. Olhava-o e sorria. Nem desconfiava. Deu a volta na mesa e o beijou. As palmas das mãos postavam-se em seu rosto.
                Ele sorria ao vê-la feliz. Pensou: - É muita felicidade para uma prostituta não? Imagina seu pai Amanda. Seu Leopoldo. Trabalhou feito um remador de Bem-Hur para te educar e você se mostrar uma prostituta.
                Ao dizer isso ele sorria e diz olhando nos olhos dela:
                - Eu te amo!
                Sabia que declarações assim ditas logo após tê-lo enganado talvez a angustiasse. Isto é, caso ela ainda tivesse um senso moral mínimo. Quando já estava alta do vinho e gargalhando entre conversas diversas ele perguntou sóbrio:
                - Amanda meu anjo. Mulher dos meus filhos...
                Ela, como quem se deixasse levar por um roteiro implícito conduzido por ele falava:
                - Diga Pedro, meu eterno amor!
                E ele disse:                                                                                            
                - Por que escolheu a si como puta?
                Após dizer isso ele sorriu. Cravou o garfo em um pedaço de carne e esfregou-o na porcelana branca manchada de molho. Era o seu último pedaço. Agora queria comê-la viva.
                - Que palhaçada é esse Pedro? Está bebendo?
                Ele que era só sorriso mostrava sua taça límpida. Não gotejou nada na mesma e ela por sua vez estava já tomada pelo calor do álcool do vinho. Pensou consigo: - Dominei-a. Idiota.
                - Não meu anjo – insistia na palavra anjo como quem usasse um cálculo preciso – não estou bebendo como pode ver. Diga-me, por qual motivo você, educada em escolas de freiras escolhei essa nobre profissão de... – parou para por o vinho em sua taça. Ergueu-a de encontro à luz e soltou as sílabas como música no ar: Pros-ti-tu-ta!
                Sentiu a cabeça pesar repentinamente. Parecia que as palavras de Pedro, soletradas assim era cada sílaba uma rajada de metralhadora. Sentia lâminas nas palmas das mãos. Os olhos turvos viam a imagem de Pedro mais jovem, quando trocaram os primeiros olhares, o crucifixo em cima da TV. Via o Cristo sangrando e a lembrança do padre Adalto, em sua missa crisma pregando: - Leiam em Crônicas, capítulo dois, 23: 13! Ela lembrava as últimas palavras frescas em sua mente: Traição, traição!
                - Pedro eu não fiz nada. Eu te juro!
                - Você não me traiu anjinho caído! Você traiu a Deus, os seus pais, os nossos... Ou melhor, meus, pois você não tem e nem os liga, amigos!
                - Não vou ficar aqui ouvindo suas lições de moral! Quem é você? Já não estou me sentindo bem.
                Ela entrou no banheiro e chorou copiosamente. Agarrada ao vaso soluçava e sentir a fermentação do vinho com a carne vibrar em seu estômago. Sentia de fato uma meretriz. Nunca havia sido tão humilhada, mas ao mesmo tempo percebia que Pedro é quem era vítima de tudo. Ele não a humilhara. O que fizera ela de sua vida. Uma vida de mentiras e hipocrisia. De prostituição em cada ato, em cada vez que cedia a um prazer barato em troca da obrigação, em cada deslize em troca da edificação da própria alma. Lembrava dos livros que seu pai comprara desde a infância, dos cursos pagos, das missas intermináveis, e como tudo isso não passava de um teatro barato. Ela era de fato uma prostituta tão barata quanto às das boates noturnas.
                Pedro colheu a fita no gravador e foi ao escritório. Era de fato uma obra de arte. Mas tudo aquilo era muito sujo. Era imunda a face de sua esposa, assim como era indizível seu ato, seu teatro. Pensou que bem melhor poderia ter sido uma surra. Ela choraria calada, mas, uma surra não emenda um caráter perverso. Além disso, ele perderia sua razão, seria um bárbaro, e não mais uma vítima. Pensou no amor que ainda sentia por Amanda. Em cada gesto que ela lhe dedicara e ele a ela. Como podia aquilo. A mesma mulher que lhe cortava o cabelo aos domingos, que lhe comprava passagens, que lhe tirava aborrecimentos, era a mesma pessoa que lhe traíra. A palavra traíra sova-lhe nos ouvidos como um cantochão de barítonos. Chorou. Chorou e via os cabelos dela ao vento. O sorriso límpido, que era sua posse, sua conquista mais satisfatória, era mera ilusão. Não a possuía senão por empréstimo, por algumas horas fugidias tinha em suas mãos seu corpo. Mas o corpo é uma miséria, pensava. Um corpo tão somente é tão somente um pecado.
                Voltou para cansado. Parecia que tinha a alma pisoteada por elefantes. Abriu o portão que dava para o jardim. A ferrugem nas dobradiças rangeu.  Subiu os degraus e ao abrir a porta, de frente à escada viu o sangue escorrer pela escada. Subiu e a achou no chão com os pulsos cortados. Olhou-a e sentiu dó, não queria que tudo terminasse assim. Há poucas horas estava feliz sentindo a brisa do mar, mas, a vida tinha disso, tinha do livre arbítrio quando por fraqueza a alma torpe fala para si: - Eu quero o pecado. O gozo nos erros. Será que Amanda tivera prazer naquele teatro todo?
                Ao seu lado um bilhete ensangüentado. Teve a esperança de ser um pedido de desculpas. Certamente se arrependera e não suportava a culpa. As mãos calmas puseram-se trêmulas quando leu:
                - Pequei. Traí e não foi a primeira vez, porém foi a última. Espero que esteja feliz, pois no pecado eu fui feliz.
                Olhava pela janela que dava para o porto. O sol parecia-lhe maravilhoso.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Homens e Deuses - Dica de filme.

Publicado originalmente na Revista Moviola, durante o Festival do Rio 2010.
Christian, Luc, Christophe, Célestin, Amédée, Jean-Pierre, Michel e Paul vivem em mosteiro na Argélia, durante a Guerra Civil, em 1996. A perfeita harmonia com a população muçulmana local, que tolera e apóia a missão católica, no entanto, desaparece quando grupo fundamentalista islâmico mata trabalhadores croatas a 20 quilômetros dos religiosos. Christian, líder dos monges, recusa a proteção do governo corrupto, da mesma forma que não socorre os radicais. É o livre-arbítrio que os ajuda a decidir, se permanecem ou se voltam para a França.
Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Of Gods and Men detalha, por um lado, as minúcias da liturgia religiosa e, por outro, o dia-a-dia dos frades com a comunidade e as tarefas laborais que exercem. O sagrado e o mundano, as duas faces de Cristo e daqueles que O aceitaram no voto de pobreza: ao mesmo tempo, Deus e Homem, uno e indivisível.
Os monges duvidam, como Jesus no Getsêmani – “Pai, afasta de Mim este cálice”. Embora a missão não esteja completa e os habitantes dependam dos serviços que os religiosos lhes prestam, eles não são mártires e temem que os fundamentalistas islâmicos entrem no mosteiro. Velhos, fracos e doentes, relembram-se de casa, da família e de tudo que deixaram por suas vocações. Clamam a Deus e se angustiam: ficar na comunidade ou partir? Mas a consciência de que o pastor não abandona o rebanho, sobretudo nos momentos difíceis, finalmente se impõe.
Xavier Beauvois filma cerimônias, sejam litúrgicas, sejam profanas. As missas na igreja, as leituras da bíblia, a oração do imã para Alá, a festa para o garoto na vila, o atendimento médico sempre nos mesmos horários. Na sequência em que os frades votam e permanecem na Argélia, Of Gods and Men emula a última ceia, ritual católico em que o o corpo e o sangue de Jesus se transmutam, respectivamente, na hóstia e no vinho consagrados: o sacrifício dos monges que remete ao Cordeiro, cuja morte livrou os homens de seus pecados.
Os radicais sequestram e matam Christian, Luc, Christophe, Célestin, Michel e Paul. Não sem que antes Christian escreva carta-testamento em que declara seu amor pelos injustiçados e miseráveis, pelo verdadeiro Islã e pela tolerância religiosa.

domingo, 6 de novembro de 2011

COMODISMO E DESESPERO

       O processo de desenvolvimento e formação do ser humano se dá fatalmente em algum contexto social, não sendo este fatalmente determinante, mas, capaz de influenciar fortemente, restando aí também à possibilidade de agir diferentemente do lugar que está inserido. 
O conceito de lugar, tão caro aos geógrafos de hoje, é o que identifica o sujeito a determinados espaços e territórios. É lá onde ele desenvolve suas ações sociais, troca experiências e (re)produz um modo de vida. Como já foi dito, é necessário preservar uma idéia de liberdade, pois é nesse espaço que as mudanças culturais ocorrem. De outro modo, toda e qualquer sociedade estaria estagnada.
Quando desenvolvemos os pressupostos básicos acima, fica mais fácil comentar as categorias subseqüentes, caso tenha a necessidade de deixar claro o que queremos dizer. O que me refiro a partir de agora são às constatações e reclamações tão comuns pelos articulistas deste e de tantos outros blogs da região, além da minha própria. Nesse meio, não podemos nos furtar à percepção advinda do meio acadêmico, que é, talvez, a que tem formado a maior parte das “opiniões”. Tais posicionamentos se referem as mais diversas abordagens sobre a sociedade, desde a perspectiva artística a econômica. Porém, de um modo geral, pode-se dizer que passamos por péssimos momentos em todos eles. Facilmente observamos a cara de espanto como articulistas mais velhos têm em relação à gravidade da degradação intelectual e moral no Brasil nestes últimos cinqüenta anos. A perda de uma perspectiva histórica alienou o brasileiro assim como alienaria qualquer outra sociedade, pois, uma vez que retiramos a possibilidade de análise comparativa de alguém, retiramos “toda” sua possibilidade de evolução. 
Uma vez que o processo educativo que vem a produzir o que chamamos de “Alta Cultura” é todo desenvolvido através de uma rigorosa absorção dos clássicos, que vão da filosofia, as artes visuais, da música a sociologia, da literatura a teoria política, que se harmonizam e se reproduzem no ser humano como ação individual (em não em bloco, como os ideólogos disfarçados de educadores fazem hoje), estão totalmente fora das políticas de educação do país, pode-se concluir que a única possibilidade de mudarmos o atual quadro partirá, caso de fato aconteça, por meio de ações individuais. Portanto, é você, o leitor que indigna-se, ao ver que o Brasil tem um dos piores índices de educação do mundo que poderá mudar esse quadro. Normalmente a angústia diante de uma visão aterradora como está nos dá a tentativa de ação em conjunto. Pensar que o número faz a força é um raciocínio instintivo e demasiadamente primitivo em alguns casos. É o que na Grécia antiga chamaríamos de topoi, lugar comum. Fica claro que nem sempre essa conduta é a melhor a ser adotada em todos os casos. Tem-se que levar a conta que o que se quer desenvolver seja “Alta Cultura” fatalmente não será para todas as pessoas, e, talvez nem para você mesmo. Só que neste caso, você pode arriscar e tentar ver até que ponto estruturante poderá desenvolver em sua alma tal empreendimento, correndo assim os riscos e falhas sujeitas no processo. O que torna-se demasiadamente complicado é quando, ao tentar atuar em conjunto (em favor das causas sociais por exemplo) você arrisca a vida de outras pessoas que teoricamente confiam em sua competência.
A ideia mais clara sobre isso que podemos exemplificar é o meio que a coação do Estado nos faz ter que entregar nossos filhos para alheios, onde supostamente serão educados – nos dando a 53ª posição no ranking, atrás da Colômbia, Trinidad e Tobago e Tailândia, mesmo falsificando todos os dados possíveis a respeito dos índices de aprovação -. A possibilidade de uma educação através da iniciativa privada poderia ser uma solução, porém, esta também, sem nenhuma estrutura moral digna que tenha forças para encarar tamanho desafio prosta-se diante da coação do Estado mais uma vez. Dizem: - As melhores faculdades são públicas (sic)! Eles quem detêm o processo seletivo. Deste modo, tudo o que seria “educação” fica sujeito a tal processo. Observe bem que, se analisarmos a história do conceito de educação, em nenhuma hipótese, tivemos um estágio tão humilhantes como agora, onde um sujeito ou entrega de imediato sua educação nas mãos abstratas do Estado e sofre suas conseqüências concretas, ou entrega-se para iniciativa privada que, no máximo, lhe deixa apto a submeter-se a um vestibular, controlado para variar, pelo Estado.  Essa violência silenciosa tira toda a perspectiva de modificação de um país que só poderá ser modificado pela educação. Os investimentos econômicos assim como a melhoria de seus índices, são sempre vôos de galinha, sem a capacidade de manutenção por um período mais rigoroso, uma vez que a economia cresce, vemos paralelo a isso um péssimo índice de educação, saúde e violência. 
Não quero aqui reduzir e simplificar a importância do desenvolvimento econômico e comercial do país, porém, não é através disso que haverá de fato alguma mudança. Dar melhores condições econômicas a um povo sem nenhuma educação não é garantia nenhuma, além da sua subsistência. É aí apenas uma garantia biológica, no sentido mais estrito do termo. A cultura é a base de qualquer sociedade e somente através de mudanças e investimentos nesse aspecto, onde o mesmo detêm elementos como a economia, a religião, a linguagem, entre tantos outros, é que veríamos, daqui a três ou quatro gerações, alguma mudança. Como o leitor pode observar, os investimentos que temos pelo menos nos últimos cinqüenta anos só ocorreu em alguns pontos isolados, não dando a possibilidade de articulação e nem de conjunto. Quando uso a palavra “conjunto”, não me refiro a tentativa comum de pasteurizar as consciências, como é o que já vem ocorrendo, mas sim a tentativa de garantir e restaurar a noção de individualidades, onde a existência das mesmas pode atuar de modo harmônico dando-nos resultados melhores.
Para isso torna-se urgente resgatar e priorizar o que já foi perdido e contabilizar quais os pontos fundamentais que estamos corrompidos. Talvez seja a hora de cortar na carne e acabar com o amadorismo de muitos em salas de aula, acabar com a politização da educação pois nem só de política e de supostas “consciências críticas” viverá o homem. A religião e a linguagem devem ser restauradas urgentemente assim como o vigor dos clássicos da literatura. Sem o estudo rigoroso das artes não se desenvolve o imaginário de uma sociedade. O homem só é homem, não pela sua simples capacidade de raciocínios lógicos, coisa que até um orangotango faz, mas, sobretudo pela sua capacidade de imaginar. Uma sociedade com seu imaginário corrompido pela classe de pseudo-artistas está fortemente comprometida. Não estamos no luxo dos anos 60 quando filósofo Mário Ferreira dos Santos nos anunciou: - “Os bárbaros chegaram aos portões”.  Não só chegaram como agora os servimos submissos. Eles tomaram de conta dos governos, escolas, universidades enfim... A pergunta que não quer calar é: Até quando os bárbaros poderão virar diretores de escolas, políticos, professores, “artistas”?
A primeira coisa que me vem à mente a essa altura é a obra do filósofo Louis Lavelle, em seu livro “A Presença Total”, onde o mesmo nos dá a responsabilidade de ter um modo de vida de fato presente nas circunstâncias que de fato vivemos. Encarar a realidade é a única forma de viver dignamente. Ortega y Gasset nos fala que as únicas ideias de fato verdadeiras são aquelas do náufrago que, uma vez sabendo que nada de resta estando ele agarrado apenas a uma tábua... É nesta precisa hora que nos interessa saber quais pensamentos estão presentes, pois assim, em um ponto crítico da vida, só restarão os pensamentos mais verdadeiros, essenciais, fundamentais para sua existência. Estando nesse ponto crítico onde divido que exista situação cultural pior, qual seria nossa atitude diante da “Presença Total”, qual seriam as “Idéias do Náufrago”? 

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Até o limiar da dor.

Eu sei que há dores que o grito não basta para expressar
E que a lágrima é muito pouca para o quanto temos que sangrar
As pegadas na própria alma não são feitas para sair, mas apenas para machucar.

No meio da treva densa, dessa escuridão imensa você sumiu atravessada por uma lança, também a cair e gemer, também e como sempre, a sangrar.

Mas nestes casos a morte não resolve muita coisa, não dá para esquecer...a dor ultrapassa as vidas, pois o que doi hoje, vem de tempos de vidas e vidas, e sempre vem muito mais.

A dor de hoje tem a cor da luz de mercúrio, das velas caravagescas, é o bastante somente para ver o despero e os cavaleiros do apocalipse querendo muito mais.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Nada mais que isso.

O amor, a palavra antiga, atual, usada, mentida
Está acima do mencionado, da palavra escrita
Que fere o papel.
O amor é pétala ao vento, não vista mas sentida
É uma dor quer quer ser doída, é um olhar, um gesto, uma não-palavra
O que dizem os poemas, o que está rabiscado em desenhos, O que flutua no quadro
É rarefeito, é apenas o que foi possível na imensidão do sentir, escrever, desenhar, pintar.
O amor, quando amor verdadeiro, como o voo do pássaro, como o toque dos dedos, dos lábios...
Tudo é pequeno, pois muito pouco se pode dizer sobre o tanto ele seja
E é amor e nada mais do que isso, o que sinto.

Foto: Nika.

domingo, 25 de setembro de 2011

Quero meu país de volta - Bruno Tolentino

Bruno Lúcio de Carvalho Tolentino, menino carioca de família aristocrática, gosta de dizer que é de um tempo em que rico não roubava. O avô foi conselheiro do Império e fundador da Caixa Econômica Federal e seus tios eram intelectuais, como os escritores Lúcia Miguel Pereira e Otávio Tarquinio dos Santos, além dos primos Barbara Heliodora, a crítica teatral, e Antonio Candido, o crítico literário. Ainda era analfabeto em português quando duas preceptoras, mlle. Bouriau e mrs. Morrison, o ensinaram a conversar em francês e inglês dentro de casa. Tolentino saiu do Brasil em 1964 e, no estrangeiro, ocupou-se de árvores genealógicas de origem erudita.

Orgulha-se de ter filhos com mulheres descendentes do filósofo Bertrand Russell e do poeta Rainer Maria Rilke. O mais novo, Rafael, de 8 anos, nascido em Oxford, Inglaterra, onde o pai ensinou literatura durante onze anos, é filho da francesa Martine, neta do poeta René Chair. Bruno publicou livros de poesia em inglês e francês. Em 1994, lançou no Brasil As Horas de Katharina, e no fim do ano passado mais dois, Os Deuses de Hoje e Os Sapos de Ontem — todos ignorados pela crítica, pelo público e pelos curiosos.Aos 56 anos, já de volta ao Brasil, Tolentino tem feito força para tornar-se herdeiro do embaixador José Guilherme Merchior, intelectual de boa formação e polemista musculoso. Tem conseguido aparecer. Brigou com os poetas concretos, depois com o que considera máquina de propaganda de Caetano Veloso e sua turma. Em seguida, com os críticos literários e os filósofos, elevando ainda mais o tom numa entrevista publicada por O Globo, duas semanas atrás. Fora do país, Tolentino ensinou em Oxford, Essex e Bristol e trabalhou com o grande poeta inglês W.H. Auden. Conheceu celebridades como Samuel Beckett e Giuseppe Ungaretti. Horrorizado com a possibilidade de ver o filho mais novo crescendo em escolas que ensinam as obras de letristas da MPB ao lado de Machado de Assis, abriu fogo contra o que considera o lado ruim de sua pátria, como explica em sua entrevista a VEJA:

VEJA — Por que tantas brigas ao mesmo tempo?

TOLENTINO — Para ver se o pessoal cai em si e muda de mentalidade. O Brasil é um país vital que está caindo aos pedaços. Não quero sair outra vez da minha terra, mas não posso ficar aqui sem minha família, que está na França. Não posso educar filho em escola daqui.

VEJA — Por que não?

TOLENTINO — Foi minha mulher quem disse não. Educar um filho ao lado de Olavo Bilac, última flor do Lácio inculta e bela, que aconteceu e sobreviveu, ao lado de um violeiro qualquer que ela nem sabe quem é, este Velosô, causou-lhe espanto. A escola que ela procurou para fazer a matrícula tem uma Cartilha Comentada com nomes como Camões, Fernando Pessoa, Drummond, Manuel Bandeira e Caetano. O menino seria levado a acreditar que é tudo a mesma coisa. Ele nasceu em Oxford, viveu na França e poderá morar no Rio de Janeiro. Ele diz que seu cérebro tem três partes. Mas não aceitamos que uma dessas partes seja ocupada pelo show business.

VEJA — Qual o problema?

TOLENTINO — Minha mulher já havia se conformado com os seqüestros e balas perdidas do Rio, mas ficou indignada e espantada pelo fato de se seqüestrar o miolo de uma criança na sala de aula. Se fosse estudar no Liceu Condorcet, em Paris, jamais seria confundido sobre os valores do poeta Paul Valéry e do roqueiro Johnny Hallyday, por exemplo. Uma vez entortado o pepino, não se desentorta mais. Jamais educaria um filho meu numa escola ou universidade brasileira.

VEJA — Não é levar Caetano Veloso a sério demais? Ele não é só um tema de currículo, entre tantos outros?

TOLENTINO — Não. Ele está também virando tese de professores universitários. Tenho aqui um livro, Esse Cara, sobre Caetano, uma espécie de guia para mongolóides, e a mesma editora desse livro me pede para escrever um outro, sob o título Caetano Se Engana. É preciso botar os pingos nos is. Cada macaco no seu galho, e o galho de Caetano é o show biz. Por mais poético que seja, é entretenimento. E entretenimento não é cultura.

VEJA — O que você tem contra a música popular?

TOLENTINO — Se fizerem um show com todas as músicas de Noel Rosa, Tom Jobim ou Ary Barroso, eu vou e assisto dez vezes. Mas saio de lá sem achar que passei a tarde numa biblioteca. Não se trata de cultura e muito menos de alta cultura. Gosto da música popular brasileira e também da de outros países, mas a música popular não se confunde com a erudita. Então, como é que letra de música vai se confundir com poesia?

VEJA — O senhor não está ressentido por ele ter assinado um manifesto contra um artigo seu sobre uma tradução do poeta Augusto de Campos? No fundo, parece que o senhor está querendo aparecer à custa deles.

TOLENTINO — Não tenho ressentimento nem ciúme. Nem tenho nada contra quem assina manifesto. Se você vê um amigo seu brigando na rua, o mínimo que pode fazer é ir lá apartar. Foi o que ele fez no caso do Augusto de Campos. Só que assinou um cheque em branco. A princípio, achei que ele tinha entrado de gaiato, e lhe dei o benefício da dúvida, sobre uma questão muito delicada de tradução e de cultura que ele não está capacitado para julgar. Nem ele nem Gal Costa. Que intelectuais são esses? Se os irmãos Campos não sabem inglês, imagine eles.

VEJA — Os poetas e tradutores Augusto e Haroldo de Campos não sabem inglês?

TOLENTINO — Não sabem inglês, nem alemão nem grego. Por exemplo, traduziram Rainer Maria Rilke e criaram a frase “ele tem um pássaro”, que é literal, mas que, em alemão, quer dizer que alguém tem uma telha a menos, é meio doido. São péssimos poetas e péssimos escritores. Não sabem absolutamente nada do que alardeiam saber.

VEJA — Por que só o senhor, e não outros críticos, diz essas coisas?

TOLENTINO — Na República das Letras, ainda estamos à espera das diretas-já. A usurpação do poder legal por vinte anos deixou-nos seus legados nas patotas literárias que desde então controlam a entrada em circulação, ou a exclusão pelo silêncio, de livros, autores, obras inteiras. Nas redações dos jornais como nas universidades, prevalece a censura, e o único critério para sancionar uma obra parece ser o bom comportamento do neófito, sua genuflexão aos ícones da hora. Nossa crítica suicidou-se, matando o diálogo, o debate e a polêmica. Mascarados de universitários, esses anõezinhos conseguem dar a impressão de que a inteligência nacional encolheu, de que, em Lilliput, só se sabe da cintura para baixo. Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: “Viver, simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem”. Mas José Miguel Wisnik ora é crítico, ora é letrista e compositor, portanto é catedrático. Os violeiros empoleiraram-se nas cátedras, e Fernando Pessoa virou afluente da MPB. Não é à toa que até em Portugal os brasileiros viraram piada. Ouvi uma que provocava gargalhada logo à primeira frase: “Um intelectual brasileiro ia começar a ler Camões quando a banda passou e…” É preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira, Adélia Prado e Ferreira Gullar?

VEJA — Por que o senhor acha os críticos brasileiros ruins?

TOLENTINO — O que os críticos disseram sobre meus trinta anos de poesia? Só, desonestamente, que minha poesia é arcaizante e não suficientemente progressista. Que eu, o escritor Diogo Mainardi e — como é mesmo o nome do marido da Fernandinha Torres? — o diretor Gerald Thomas somos figurinhas carimbadas porque somos amigos de gente famosa. Quer dizer, chamam a atenção para a pessoa e não para a obra. E toda pessoa é discutível. Eu sou meio apalhaçado mesmo. A minha biografia é interessante, meio cinematográfica, e assim é como se eu não tivesse escrito nada. Uma espécie de Ibrahim Sued das letras.

VEJA — Mas o que aconteceu com os críticos para que se tornassem tão incapazes, na sua opinião?

TOLENTINO — A crítica brasileira não existe mais. Cometeu um haraquiri muito bem pago. Trocou sua independência por cátedras e verbas. É uma gente venal, vendida, que controla as nomeações para as cátedras, bolsas e verbas. Vão se meter com um maluco como eu? Todos, de Roberto Schwarz a David Arrigucci, foram formados pelo meu primo Antonio Candido, que é um geriatra nato.

VEJA — Caramba… Não sobra nenhum crítico brasileiro?

TOLENTINO — Sobra, evidentemente, Wilson Martins, que não tem lá muito gosto poético, mas enfim…

VEJA — O senhor também não sobra?

TOLENTINO — Em vários sentidos. Não tenho onde escrever. Sou herdeiro, e me considero assim, da combatividade crítica de José Guilherme Merquior. Crescemos e fomos amigos juntos, tínhamos idéias convergentes embora nem sempre coincidentes. Quando ele morreu, em 1991, houve um grande suspiro de alívio entre nossos críticos e poetômanos. Infelizmente, ele era embaixador. Eu não sou embaixador de nada. Essa gente está morta de medo de que eu venha a ter uma tribuna. Não me importa ser celebrado lá fora. Não faço falta lá, há muitos outros como eu. Aqui, com esta independência, cultura, erudição e combatividade, não tem outro que nem eu.

VEJA — Sem embaixada, o senhor vai ser só poeta?

TOLENTINO — Minha obra poética está basicamente terminada. Escrevi poesia por mais de trinta anos e não conheço nenhum outro poeta, além de Manuel Bandeira, que tenha conseguido escrever bem além dessa média. A partir daí, decai. Estou transferindo o meu esforço para o ensaio. Falar, por exemplo, dos males que a ditadura causou ao país me parece cada vez mais um sintoma do que uma causa. É um sintoma do Febeapá, vem no bojo dele. A imbecilidade já crescia. A ditadura simplesmente institucionalizou a falta de respeito pela realidade, pelo próximo, pela legalidade. A verdade foi substituída pela verossimilhança, a literatura, pela imitação da literatura.

VEJA — O senhor poderia dar exemplos disso?

TOLENTINO — Foi Wilson Martins quem levantou essa idéia, ao dizer que as obras de Chico Buarque e Jô Soares eram imitações da literatura. Auden, o Drummond lá dos ingleses, também dizia algo parecido. A gente lia um cara e concluía que ele era muito ruim. Auden discordava, dizendo que ele era muito bom. “Faz a melhor imitação de poesia que já li”, dizia. Parecia piada, mas não era.

VEJA — O senhor acha que a imitação é ruim?

TOLENTINO — A imitação da literatura se dá quando se fecha no círculo de ferro na modernidade. Ela obriga o leitor a seguir moda, busca efeito imediato, como se tudo começasse por você, naquele momento. A verdadeira literatura está sempre acuando tudo que a precedeu. Quincas Borba, de Machado, contém toda a novelística russa, e também Balzac. Wilson mostrou com muita acuidade e mordacidade que os romances de Chico são uma reedição do nouveau roman, que já morreu. Agora morreu a última representante dele, Marguerite Duras. Conheci toda aquela gente do nouveau roman, Alain Robbe-Grillet, Michel Butor, e saí correndo. Chato existe em todo lugar, não só no Brasil. Mas Wilson foi injusto com a imitação do Jô. É uma coisa que não pretende ser mais do que aquilo mesmo, divertir.

VEJA — Por que o senhor não vai ensinar o que sabe nas universidades?

TOLENTINO — Só entro numa universidade disfarçado de cachorro ou levado por uma escolta de estudantes. Sou um vira-lata muito barulhento. Não vão me convidar para nada porque eu quero acabar com os empregos e mordomias deles. Quero que eles passem por todos os exames de Oxford para ver se sabem mesmo alguma coisa.

VEJA — Então as universidades não servem para nada?

TOLENTINO — A escola pública desapareceu. A fórmula de sobrevivência do país é a trilogia emprego público, de preferência com aposentadoria acumulada, condomínio fechado e plano de saúde. Esse é o apartheid construído por uma elite analfabeta e totalmente irresponsável que entregou nossa cultura. Nem estou falando da nossa classe média, que tem dinheiro para gastar em boates e shows e sair de lá gargarejando cultura.

VEJA — O senhor tem acompanhado a produção intelectual das universidades brasileiras?

TOLENTINO — O departamento de filosofia da Universidade de São Paulo nunca produziu filosofia nenhuma, não por inépcia ou preguiça, mas por um estranho espírito de renúncia parecido ao espírito de porco. Cultivavam a crença de que só poderia nascer uma filosofia no Brasil “ao término de um infindável aprendizado de técnicas intelectuais criteriosamente importadas”, como diz um professor de lá. Mais urgente do que filosofar era macaquear os debates dos “grandes centros” produtores de cultura filosófica. O que significava tomar o padrão europeu do dia como norma de aferição do valor e da importância do pensamento local. Imaginando ou fingindo preservar a mente brasileira de uma independência prematura, o que os maîtres à penser da USP fizeram foi apenas incentivar a prática generalizada do aborto filosófico preventivo. Não espanta que, por quatro décadas, o “rigor” (com aspas) uspiano não produziu outro resultado senão o rigor mortis de uma filosofia que poderia ter sido o que não foi.

VEJA — Mas José Arthur Giannotti escreveu um livro de filosofia, Apresentação do Mundo, que foi muito elogiado…

TOLENTINO — É, ele escreveu um besteirol sobre Ludwig Wittgenstein saudado em suplementos de várias páginas como marco do nascimento da filosofia no Brasil. É uma audácia depois de Mário Ferreira dos Santos, Miguel Reale, Vicente Pereira da Silva e Olavo de Carvalho. Nós temos uma filosofia nativa, isso sem falar da filosofia de cunho religioso, teológico, que eu não vou citar porque sou católico e vão dizer que estou puxando a brasa para a sardinha da Virgem Maria. Passei cinco meses garimpando nas páginas daquele livro e não encontrei nada que não fosse uma leitura do que Wittgenstein acha da dificuldade lingüística de compreender a realidade. Isso a gente já sabe, a partir do próprio Wittgenstein. Uma filosofia nacional não tem nada a ver com isso.

VEJA — Tem a ver com o quê?

TOLENTINO — A cultura filosófica brasileira é quase nula. Nossos professores gastaram décadas lendo Marx, em vez de Husserl. Aqui só dá o tripé Kant, Hegel e Marx. E onde está a grande tradição escolástica que vai de Aristóteles a Husserl? Isso não é lido nem discutido aqui. Mas existe uma filosofia brasileira. Reale e Olavo de Carvalho, que não se formaram em lugar algum, não perderam tempo com essa estupidez. Foram estudar e aprender as tantas línguas que falam. Eu, quando tenho dificuldade com latim, grego ou alemão, é para eles que telefono.

VEJA — O senhor não está exagerando, sendo duro demais?

TOLENTINO — Não. Não passei nenhum dia aborrecido aqui. Sempre encontro gente inteligente. Quando cheguei à Europa, não tive nenhum complexo de inferioridade. É verdade que eu conheci em casa o que o Brasil tinha de melhor. Faço parte do patriciado brasileiro. E não via diferença entre Ungaretti e Manuel Bandeira, só de língua. Era a mesma coisa. Não havia um Terceiro Mundo na minha cabeça. Eu, quando pequeno, conheci Graciliano Ramos e Elisabeth Bishop. Só havia gente dessa categoria.VEJA — Dá a impressão de que só agora se começou a falar e a escrever besteira no país… TOLENTINO — O besteirol, se havia, estava lá longe, nos cantos. Hoje ele está no centro. Tem razões mercadológicas, de dinheiro. Os artistas devem ganhar muito, muito dinheiro, para ir gastar em Miami. Só não é possível que esses senhores usurpem a posição do intelectual. Eles são um formigueiro com pretensão a Everest.

VEJA — Não é bom para o país ter um intelectual na Presidência da República?

TOLENTINO — Votei no Fernando Henrique Cardoso porque era uma oportunidade única, desde Rui Barbosa, de ter um intelectual no poder. E o que ele fez na sua primeira entrevista coletiva? Citou Machado de Assis ou Euclides da Cunha? Não. Citou o mano Caetano. Uma coisa tão espantosa quanto Rui Barbosa, se tivesse ganho a eleição, citasse Chiquinha Gonzaga. O Brasil que eu conheci, e do qual me recordo vivamente, era um país de grande vivacidade intelectual, mesmo sendo uma província. Não estou sendo duro com o Brasil. Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Para quem não sabe o que é conservadorismo: Roger Scruton!

Em outubro de 2009, o Clarion Review publicou uma ótima entrevista com o filósofo político Roger Scruton que foi traduzida pelo blog português Dextra, que não mais existe. Felizmente, o blog Nada disto é Novo havia reproduzido a maior parte da tradução. Alguns trechos:

Como o Sr. encontra tempo para escrever, ensinar, ser fazendeiro, dar consultorias, caçar e viver? O Sr. segue uma disciplina diária severa?

Tenho sido abençoado com energia e disciplina desde terna idade. E observo uma disciplina severa: borgonha branco às 7:30 da manhã e claret ao jantar.

O Sr. descreveu o conservadorismo como sendo "amar o mundo pelo que ele é." O que o Sr. quer dizer com isto?

O conservadorismo envolve, como você diz, amar o mundo como ele é -- não todo ele, mas aquela parte que conseguimos receber dos mortos. Isto significa reconhecer o quanto é mais fácil destruir que criar. Isto envolve uma atitude de amizade em relação à comunidade, ao invés de um desejo de refazê-la em cumprimento a algum objetivo oni-abrangente. E assim por diante.

O que diferencia o conservadorismo do liberalismo ?

O problema com o liberalismo clássico é que ele nunca pára para examinar o que está em questão quando se diz "não prejudicar os outros." Será que deixo os outros ilesos quando destruo minha capacidade de me relacionar pessoalmente por causa do uso de drogas, promiscuidade e vício em pornografia? Será que deixo os outros ilesos quando me entorpeço com música pop? Não tenho nada contra o individualismo, desde que se reconehça que o indivíduo é criado pela comunidade e pelos limites morais que aí prevalecem. O indivíduo não é a fundação da sociedade, mas seu sub-produto mais importante.

Muita gente considera o conservadorismo uma forma de nostalgia romântica, uma reverência irracional ao passado. Como o Sr. responderia a isto?

Todas as formas de crença social e política que temos diante de nós, hoje, se relacionam com o movimento romântico, pois este é o arquétipo de nossa contínua tentativa de viver de acordo com nossos próprios planos. Na verdade, isto se aplica mais ao socialismo do que ao conservadorismo -- sendo o socialismo uma espécie de nostalgia mórbida do futuro, que é ainda mais prejudicial do que a nostalgia do passado. E esta palavra, "nostalgia" -- o que significa? A ânsia pelo nostos, o "retorno ao lar", oHeimkehr, que é o coração de qualquer reflexão séria sobre nosso tempo na terra. Só é preciso se distinguir entre as formas positivas e negativas dela. O Renascimento foi um grande movimento de nostalgia em relação ao mundo clássico; e veja como ele abalou tudo!

A via da alta cultura pode servir como um substituto para a fé religiosa? A via estética não está restrita a uma pequena elite?

Nada pode substituir a fé sobre a qual uma civilização foi construída. Mas a alta cultura pode beneficiar a todos, mesmo que seja só uma elite que participe diretamente dela. A ciência benficia a todos, muito embora só uns poucos a entendam. Acredite ou não, o mesmo vale para Beethoven, comos os ingleses descobriram na última guerra. Os concertos e transmissões de música clássica, sobretudo da quinta de Beethhoven, tornaram-se símbolos de uma rebeldia que não poderiam ser facilmente representados pela cultura popular, que não ia tão longe dentro do espírito. As elites são necessárias aos que não pertencem a elas; e aquilo que serve como alimento para o espírito dos líderes é alimento para os que seguem.

O Sr. já escreveu que muitas instituições educacionais permanecem sob o controle de uma "cultura do repúdio" nihilista. O que os estudantes modernos podem fazer para adquirirem uma educação adequada e se civilizarem, dadas as distrações da vida moderna?

A auto-ajuda é uma filosofia tão válida hoje quanto no século 19. Eu me lembro de ter visitado estudantes nos antigos países comunistas que tinham sido expulsos das universidades e tomavam a iniciativa de convidar pessoas do Ocidente (e sobretudo anti-socialistas como eu) para falar para eles. Pessoas inteligentes sempre conseguem se erguer acima de seu meio, desde que se armem com as três grandes armas conservadoras: o humor, a ironia e o desprezo.

O Sr. recentemente se mudou para os Estados Unidos e agora divide seu tempo entre o interior da Virgínia e a Inglaterra. Do que o Sr. mais gosta na Virgínia? E do que o Sr. sente falta na Inglaterra e que seria mais bem-vindo se fosse possível trazer no avião?

Os refugiados do estatismo europeu sempre ficam espantados em descobrirem na América uma sociedade na qual as pessoas ainda sentem prazer no sucesso dos outros. O ressentimento ainda não é a atitude dominante lá. E quando há um desastre, as pessoas se apressam em ajudar. Eles também se oferecem como voluntários para serviços de resgate e coisas assim e têm um interesse real em melhorar a comunidade -- uma coisa que Tocqueville notou no século 19 e ainda é verdade hoje. A América é uma sociedade fundada no ato de dar, não de pedir. A Europa é uma sociedade construída sobre os "direitos humanos"; em outras palavras, exigências mesquinhas por cuidados alheios.
Por outro lado, há aspectos da Europa -- e da Inglaterra, em particular, de que sinto falta lá. A mais importante é uma legislação urbanística construtiva e sensata. A América é uma bagunça, com cidades esfaceladas e evisceradas, áreas centrais metropolitanas que são abomináveis e não têm semáforos ou espaços públicos e uma zona rural invadida pela expansão dos subúrbios. É espantoso ver que um país tão rico e tão bem bem abastecido pela natureza tenha decidido tornar-se um depósito de lixo. Por outro lado, em muito deste lixo aparece um sorriso da Disneylândia e devemos ficar gratos por isto.

Fonte: http://www.brunogarschagen.com/

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Universitários brasileiros leem apenas de 1 a 4 livros por ano, revela Andifes.

 Dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior mostram que 23% dos alunos da Universidade Federal do Maranhão não chegam a ler 1 obra por ano, enquanto apenas 5,5% leem mais de 10 títulos no período.
Na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), 23,24% dos estudantes não leem um livro sequer durante o ano. De uma forma geral, a maioria dos universitários brasileiros não vai muito além disso: lê, em média, de uma a quatro obras por ano. É o que revela levantamento exclusivo feito pelo Estado a partir de dados divulgados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Numa realidade diametralmente oposta, os estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) são ávidos por leitura: 22,98% deles leem geralmente mais de dez livros por ano. No Maranhão, um dos Estados mais pobres do País, esse índice é de apenas 5,57%.
No início do mês, a Andifes divulgou pesquisa feita com 19.691 estudantes de graduação de universidades federais de todo o País, apresentando números consolidados do panorama nacional. A partir do cruzamento de dados, foi possível mapear e distinguir os cenários regionais no tocante a hábitos de leitura, frequência a bibliotecas, domínio de língua inglesa e uso de tabaco, álcool, remédios e drogas não lícitas.
A UFMA, que lidera o ranking dos universitários que não leem nada, ficou em quarto lugar entre os menos assíduos à biblioteca da universidade - 28,5% dos graduandos não a frequentam. O primeiro lugar nesse quesito ficou com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio): metade de seus alunos esnoba o espaço.
"O aluno não vai à biblioteca porque não tem acesso a livros ou porque não está estudando? Não sabemos por que ele não vai, mas devemos pensar", afirma o coordenador nacional do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), Valberes Nascimento. O curioso é que a taxa de frequência a bibliotecas é relativamente alta no País: mais da metade das universidades tem índice superior a 80%.
Inglês. A média nacional de bom inglês entre universitários é de 38,31%. Das 56 universidades cujos dados foram levantados pelo Estado, a que apresentou o menor índice de domínio do idioma foi a federal do Acre (Ufac), onde apenas 8,42% dos graduandos se consideram em um nível adequado de inglês. Os números também são muito baixos na federal do Recôncavo da Bahia (8,54%), da Fronteira Sul (9,40%), do Amapá (9,97%) e na federal de Rondônia (14,77%).
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Obs.: É essa população "educada" que está sendo formada para lecionar em escolas, universidades, a escrever em jornais e ocupar toda a cultura daqui a alguns anos. É essa gente que protesta contra a globalização, contra o aquecimento global, contra o livre mercado, contra a mercantilização da cultura. Essa gente é totalmente fake!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O que nunca foi dito...

Quando a lágrima escorre,
Perolada, marchando sobre a face
Paira aí entre os ventrículos
Um momento de dor...

Quando a lágrima paira,
Escorregando entre o minuano
Entre os átomos,
Percorre como dor,
Um momento de solidão.

Mas, se de súbito surges,
Segue o sangue, o ar em meus pulmões
E meu ser voa como dantes,
Como as notas sangradas pelo violão

Surgem sóis e pássaros livres,
Surgem passos e passantes
Surgem a terra, a água e o ar
O fogo em mim, como nunca visto antes

Porque és em essência
O sentido de que houve
Do que existe e do que haverá
És a medida entre o ceu e a terra
És o fulgás e o que permanecerá.

Foto: X. Maya

sábado, 21 de maio de 2011

Pedido

Não dê-me tua face, floreio ou riso
Negue-me os gestos mais delicados
Negue-me o externo o verniz proferido
Negue-me o volume extridente dos brados

Negue-me o pão, o vinho ou o trigo
Furte-me o sol, o azul do firmamento
Pode-me a arte, os versos a estalar em gritos
Tudo, a essência do ser, os fundamentos

Mas não tua existência mesmo que em conflito
Não negue-me um fio de esperança
Pois para que a vida, para que a existencia valha
É preciso você: desde já minha quintessência
O bálsamo para o corte de mil navalhas.

A gota de orvalho que paira sobre a folha,
O voo do pássaro, a liberdade enfim
És o que me inspira, o que me esmera
Para um amor, ainda que seja de festim.

domingo, 1 de maio de 2011

O Homem Conservador. Por: Titus Burkhard

Deixando de lado quaisquer matizes políticos que a palavra possa ter, o conservador é alguém que procura conservar. E para dizer se ele está certo ou errado deveria ser suficiente analisar o que é que ele quer conservar. Se as formas sociais que defende – pois sempre se trata de formas sociais – estão em conformidade com o objetivo mais elevado do homem e correspondem às suas necessidades mais profundas por que não deveriam ser elas tão boas quanto – ou mesmo melhores que – qualquer coisa de novo que a passagem do tempo possa trazer à luz?

Pensar desta maneira seria normal, mas o homem de hoje já não pensa normalmente. Mesmo quando não despreza automaticamente o passado e vê o progresso técnico como fonte de todo bem da humanidade, ele normalmente tem um preconceito contra qualquer atitude conservadora, pois, consciente ou inconscientemente, está influenciado pela tese materialista de que todo "conservar" é inimigo da vida em constante mudança e assim leva à estagnação.

O estado de necessidade em que hoje se encontra toda comunidade que não acompanhou a marcha do progresso técnico parece confirmar essa tese; mas as pessoas se esquecem que isso não é tanto uma explicação quanto um estímulo para um desenvolvimento ainda maior. Que tudo deva mudar é um dogma moderno que busca sujeitar o homem à própria mudança; e é avidamente proclamado, mesmo por aqueles que se consideram cristãos sinceros, que o próprio homem está nas garras da mudança; que não somente os sentimentos e pensamentos passíveis de serem influenciados pelo ambiente estão sujeitos à mudança, mas também o próprio ser do homem.

Dizem que o homem está a caminho de se desenvolver mental e espiritualmente até se transformar em um super-homem, e, consequentemente, o homem do século XX é visto como ume criatura diferente do homem de antigamente. Em meio a tudo isso, esquece-se a verdade, proclamada por toda religião, de que o homem é o homem, não meramente um animal, porque tem dentro de si um centro espiritual que não está sujeito ao fluxo das coisas. Sem este centro, que é a fonte da capacidade humana de tecer julgamentos – e portanto pode ser chamado de órgão espiritual que veicula o senso da verdade –, não poderíamos nem mesmo reconhecer a mudança no mundo que nos rodeia, pois, como disse Aristóteles, aqueles que declaram que tudo, inclusive a verdade, segue um fluxo constante se contradizem: pois se tudo muda, sobre qual base eles podem formular uma afirmação válida?


É preciso dizer que o centro espiritual do homem é mais do que a psique, sujeita como ela está a instintos e impressões, e também mais do que o pensamento racional? Há algo no homem que o liga ao Eterno, e este algo encontra-se precisamente no ponto aonde "a Luz que ilumina todo homem que vem ao mundo" (João, 1, 9) toca o nível das faculdades psico-físicas.

Se esse cerne imutável no homem não pode ser captado diretamente – como também não o pode o centro sem dimensões de um círculo – as vias de aproximação a ele podem não obstante, ser conhecidas elas são como os raios que correm em direção ao centro de um círculo. Essas vias de aproximação constituem o elemento permanente em toda tradição espiritual e, como linhas mestras tanto para a ação quanto para aquelas formas sociais que se dirigem para o centro, constituem a verdadeira base de toda atitude verdadeiramente conservadora. Pois o desejo de conservar certas formas sociais só tem sentido – e essas formas só podem perdurar – se elas dependerem do centro intemporal da condição humana.

Em uma cultura que, a partir de suas próprias fundações (graças à origem sagrada), está dirigida para o Centro espiritual e portanto para o eterno, a questão do valor ou da ausência de valor de uma atitude conservadora não se coloca; a própria palavra para isso não existe. Em uma sociedade cristã, os homens são cristãos – mais ou menos consciente e deliberadamente –, em uma sociedade islâmica eles são muçulmanos, em a uma sociedade budista eles são budistas, e assim por diante; se alguém não o é simplesmente, não pertence à sua respectiva comunidade e não é parte dela, antes coloca-se fora dela ou lhe é secretamente inimigo.

Uma cultura como essa vive de uma força espiritual que imprime sua marca em todas as formas, desde a mais elevada até a mais contingente, e ao fazer isso ela é verdadeiramente criativa; ao mesmo tempo, ela tem necessidade de forças de conservação, sem as quais as formas logo desapareceriam. Basta que tal sociedade seja mais ou menos integral e homogênea para que a fé, a lealdade à tradição e uma atitude conservadora espelhem-se umas às outras como círculos concêntricos.

A atitude conservadora só se torna problemática quando a ordem da sociedade, como na Europa moderna, já não é determinada pelo eterno; a questão então se coloca, seja qual for o contexto, de saber quais fragmentos ou ecos da ordem outrora oniabarcante mereceram ser preservados. Em toda configuração da sociedade (e uma configuração hoje segue-se à outra em uma sucessão cada vez mais rápida), os protótipos originais nela estão refletidos de uma ou de outra maneira. Mesmo se a estrutura anterior é destruída, alguns de seus elementos individuais continuam efetivos; um novo equilíbrio – por mais deslocado e incerto que seja – é estabelecido depois de cada rompimento com o passado. Certos valores centrais são irremediavelmente perdidos; outros, mais periféricos em relação ao plano original, tomam a dianteira. A fim de que estes também não sejam perdidos, pode ser melhor preservar o equilíbrio existente do que arriscar tudo em uma tentativa incerta de renovar o todo.

Tão logo esta escolha se apresenta, a palavra "conservador" entra em cena – na Europa, ela foi adotada pela primeira vez na época das guerras napoleonicas –, e o termo fica marcado pelo dilema inerente à própria escolha. Todo conservador é imediatamente suspeito de querer apenas preservar seus privilégios sociais, por pequenos que sejam. E nesse processo a questão de saber se o objeto da preservação vale a pena ser preservado é deixada de lado. Nas por que a vantagem pessoal deste ou daquele grupo não poderia coincidir com a Justiça? E por que determinadas estruturas e determinados deveres sociais são poderiam ser proveitosos para uma certa inteligência?

Que o homem raramente desenvolve a inteligência quando carece dos estímulos exteriores correspondentes é provado pelo pensamento do homem comum de hoje em dia; só muito poucos – em geral, somente aqueles que em sua juventude experimentaram um fragmento da "velha ordem", ou que tiveram a oportunidade de visitar uma cultura oriental ainda tradicional – podem imaginar Quanta felicidade e paz interior uma ordem social estratificada de acordo com as vocações naturais e as funções espirituais pode oferecer, não somente às classes dominantes, mas também às classes trabalhadoras.

Em nenhuma sociedade humana, por mais justa que ela possa ser como um todo, as coisas são perfeitas para todo indivíduo, mas há uma prova segura de se uma dada ordem oferece ou não felicidade à maioria: esta prova é inerente a todas aquelas coisas que são feitas, não com algum propósito material, mas com alegria e devoção. Uma cultura em que as artes são criação exclusiva de uma classe especialmente educada – de maneira que não há mais nenhuma arte popular ou nenhuma linguagem artística universalmente entendida – fracassa complemente a este respeito. A recompensa exterior de uma profissão é o rendimento que sua prática pode assegurar; mas sua recompensa interior é que ela deveria lembrar o homem do que, por natureza e vindo de Deus, ele é e a este respeito não são sempre as ocupações mais bem sucedidas que são as mais felizes.

Cultivar a terra, orar por chuva, criar alguma coisa significativa a partir da matéria bruta, compensar a carência de alguns com o excesso de outros, governar estando ao mesmo tempo preparado para sacrificar a própria vida pelos governados, ensinar por amor à verdade – estas, entre outras, são as ocupações interiormente privilegiadas. Poder-se-ia perguntar se, como resultado do "progresso", elas aumentaram ou diminuíram.

O homem tornou-se sua própria medida, diriam muitos hoje, quando, como trabalhador, ele posta-se diante de uma máquina. Mas a verdadeira medida de um homem consiste em que ele possa rezar e abençoar, lutar e governar, construir e criar, plantar e colher, servir e obedecer – todas essas coisas pertencem ao homem.

Quando, hoje, certo elemento urbano exige que o sacerdote despoje-se dos sinais de sua função e viva o máximo possível como os outros homem, isto apenas prova que esses grupos já não sabem o que o homem fundamentalmente é; perceber o homem no sacerdote significa reconhecer que a dignidade de sacerdote corresponde infinitamente mais à natureza humana original do que o papel representado pelo homem "comum". Toda cultura geocêntrica tem uma hierarquia mais ou menos explícita de classes sociais ou "castas". Isto não significa que ela considere o homem como uma mera parte que só encontre sua realização no povo como um todo; significa, ao contrário, que a natureza humana é em si mesma demasiado rica para que todos a todo momento estejam aptos a realizar todos os seus aspectos. O homem perfeito não é a soma total, mas o cerne ou a essência de todas as várias funções. Se as sociedades hierarquicamente estruturadas puderam se manter por milênios, isto se deve não à passividade dos homens ou ao poder dos governantes, mas ao fato de que tais ordens sociais correspondiam à natureza humana.

Há um erro muito difundido que diz que a classe naturalmente conservadora é a burguesia, que originalmente identificou-se com a cultura das cidades, onde se originaram todas as revoluções dos últimos quinhentos anos. A burguesia, de fato, especialmente como conseqüência da Revolução Francesa, desempenhou um papel conservador, e ocasionalmente assumiu alguns ideais aristocráticos – não, contudo, sem tirar partido deles e gradualmente falsificá-los. Em meio à burguesia, sempre houve conservadores que se baseavam na inteligência, mas desde o começo eles foram minoria.

O camponês é em geral conservador; ele o é, por assim dizer por experiência, pois ele sabe – mas quantos ainda sabem? – que a vida da natureza depende da constante auto-renovação de um equilíbrio de inumeráveis forças inter-relacionadas, e que não se pode alterar nenhum elemento deste equilíbrio sem comprometer o todo. Basta simplesmente desviar o curso de um ribeirão para alterar a flora de toda uma área ou eliminar uma espécie animal, permitindo imediatamente a outra espécie crescer de maneira devastadora. O camponês não acredita que se possa produzir chuva ou sol a bel prazer.

Seria errôneo concluir daí que o ponto de vista conservador está acima de tudo ligado ao sedentarismo e ao apego do homem ao solo, pois já se demonstrou que nenhuma coletividade humana é mais conservadora do que os nômades. Em todo o seu constante vagar, o nômade está atento em preservar sua herança de linguagem e costumes; ele resiste conscientemente à erosão do tempo, pois ser conservador não significa ser passivo.

Esta é uma característica fundamentalmente aristocrática; neste ponto, o nômade assemelha-se ao nobre, ou, para ser mais preciso, a nobreza que se origina na casta guerreira tem necessariamente muito em comum com o nômade. Ao mesmo tempo, contudo, a experiência de uma nobreza que ainda não foi estragada pela vida da corte e da cidade, que ainda está ligada à terra, assemelha-se à do camponês, com a diferença que ela abrange relacionamentos territoriais e humanos muito mais amplos. Quando, pela hereditariedade e pela educação, a nobreza está consciente da identidade essencial entre as forças da natureza e as forças da alma, ela possui uma superioridade que dificilmente pode-se adquirir de outra maneira; e todo aquele que está consciente de uma genuína superioridade tem o direito de insistir nela, do mesmo modo que em qualquer arte o mestre tem o direito de preferir seu próprio julgamento ao daquele que é inexperiente.

Há que se entender que a superioridade da aristocracia depende tanto de uma condição natural quanto de uma condição ética: a condição natural é que, dentro da mesma família ou tribo, pode-se, em termos gerais, depender da transmissão por herança de certas qualidades e capacidades; a condição ética expressa-se no dito "noblesse oblige": quanto mais elevado o nível social – e seu privilégio correspondente – maior a responsabilidade e a carga de deveres; quanto mais baixo o nível, menor o poder e em menor número os deveres, até a existência eticamente indiferente das pessoas passivas. Se as coisas não são sempre perfeitas, isto não se deve principalmente à condição natural da hereditariedade, pois esta é suficiente para garantir indefinidamente a natureza homogênea de uma "casta"; o que é muito mais incerto é o cumprimento da lei ética, que exige uma combinação equilibrada de liberdade e dever. Não há sistema social que exclua o mau uso do poder; e se houvesse algum, ele não seria humano, desde que o homem só pode ser homem se ele se conforma simultaneamente à uma lei natural e a uma lei espiritual. O mau uso do poder hereditário, portanto, nada prova contra a lei da nobreza, ao contrário, só o exemplo daquelas poucas pessoas que, quando privadas do privilegio hereditário, nem por isso renunciam à sua responsabilidade hereditária já basta para provar a tendência ética da aristocracia. Quando, em muitos países, a aristocracia caiu por causa de sua própria autocracia, isto se deu não tanto por que ela foi autocrática para com os níveis inferiores, mas antes porque ela foi autocrática em relação à lei superior da religião, a única que forneceu à aristocracia sua base ética e moderou com a misericórdia o direito dos fortes.

Desde a derrocada, não apenas da natureza hierárquica da sociedade, mas de quase todas as formas tradicionais, o homem conscientemente conservador encontra-se por assim dizer em um vácuo. Ele se acha só em um mundo que, com toda a sua escravidão opaca, jacta-se de ser livre e, com toda a sua uniformidade compressora, jacta-se de ser rico. Gritam-lhe aos ouvidos que a humanidade está desenvolvendo-se continuamente em sentido ascendente, que a natureza humana, depois de se desenvolver por tantos e tantos milhões de anos, passou agora por uma mutação decisiva, que a levará à sua vitória final sobre a matéria. O homem conscientemente conservador encontra-se só entre notórios bêbados, é o único desperto em meio a sonâmbulos que tomam seus sonhos por realidade. Pelo entendimento e pela experiência, ele sabe que o homem, com toda a sua paixão pela novidade, continua fundamentalmente o mesmo, para o bem ou para o mal; as questões fundamentais da vida humana têm sido sempre as mesmas; as respostas a elas são conhecidas desde sempre, e, na medida em que podem ser expressas em palavras, têm sido transmitidas de geração em geração. O homem conscientemente conservador interessa-se por esta herança.

Visto que quase todas as formas tradicionais de vida estão destruídas, raramente se concede a ele participar de um trabalho universalmente útil e significativo. Mas toda perda implica em um ganho: o desaparecimento das formas pede por uma provação e um discernimento; e a confusão no mundo que nos rodeia é um chamado para que, desviando-se de todos os acidentes, voltemo-nos para o essencial.

sábado, 16 de abril de 2011

Quando Surges...

Quando surges para mim, Esquiva, faceira, prudente... Quando surges como trovões A bradar no firmamento... Aguardo passar o inverno, Eu que quase sempre imprudente, Sei certo que se fará outono, E você flor, se despirá, Peça por peça, pétala por pétala, Qual folhas usurpadas pelo vento. Quando surges para mim, Como se quisesse sumir, Faze-se aparecer pelo contraste Da face a negar-me o olhar, E o seio crepitar-se em ânsias. Paciente mais uma vez, Vejo-a, sinto-a embora não a tenha... Não a tenho por não estar ainda, Plenamente em seu ser, em espírito, Pois a carne e os espasmos Apodrecem com o tempo. Por isso quero estar em você Em espírito, eu quero não tua carne Mas sim tua eternidade.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

CURSO! UMA ANÁLISE DO HOMEM MODERNO - INSTITUTO SER FUNDAMENTOS.

1º Curso! Uma análise do homem moderno.




O Istituto Ser Fundamentos começa suas atividades de modo bastante modesto, porém contundente. O primeiro curso que se iniciará dia 02/04/2011 no Colégio Santo Antônio de Barbalha a partir das 9:00 h tem por título "Uma análise do homem moderno - Uma releitura filosófica". O curso tem por objetivo estudar e desenvolver uma análise de clássicos da FILOSOFIA e da literatura moderna que demonstram de forma artístico-filosófica as transformações do modo do homem ver, entender e relacionar-se com o mundo. O Instituto Ser Fundamentos vem ofertar a possibilidade de uma reflexão filosófica através das obras de autores consagrados buscando identificar o que motivaram e qual o elenco de transformações humanas que movem o curso da micro-história que nada mais é que a história de cada um de nós. Não há como negar as transformações culturais em vista, seja pela notável decadência da cultura ocidental, seja pelo declínio da civilização judaico-cristã ou pela quase total anomia dos valores morais. Mas onde acharíamos pistas do que foi perdido? Que método investigar? Por onde começar? A lista de autores é bem sugestiva, porém, o estudo de modo contínuo, intercalados por uma gama de outros textos introdutórios nos dará uma perspectiva mais abrangente em relação ao problema. Sinta-se convidado.


ROTEIRO DE ESTUDOS.

1. Como Ler um Livro. Autores: Mortimer Adler e Charles Von Doren;

2. Crime e Castigo. Autor: Fiódor Dostoiévski;

3. O Estrangeiro. Autor: Albert Camus;

4. Em Busca de Sentido. Autor: Viktor Frankl;

5. A Rebelião das Massas. Autor: Ortega y Gasset;

6. O Coração das Trevas. Autor: Joseph Conrad;

7. Apologia de Sócrates. Autor: Platão;

8. Os Irmãos Karamázov. Autor: Fiódor Dostoiévski;

9. O Saber dos Antigos. Autor: Geovanni Reale;

10. O Vermelho e o Negro. Autor: Stendhal;

11. O Jardim das Aflições. Autor: Olavo de Carvalho;

12. O Homem sem Qualidades. Autor: Robert Musil;

13. A Crise do Mundo Moderno. Autor: René Guénon;

14. O Admirável Mundo Novo. Autor: Aldous Huxley;

15. O Homem Revoltado. Autor: Albert Camus;

16. A Divina Comédia. Autor: Dante Alighieri.

Valor do curso: R$ 30,00 Local: Colégio Santo Antônio - Barbalha.

Inscrições e informações: (88) 99806557 Antônio Sávio.

Livros: A maioria dos livros podem ser encontrados no site http://www.erealizacoes.com.br/

TURMAS EM CRATO Possíveis interessados do Crato, o curso será ministrado com a formação mínima de 10 alunos com data prevista de início para dia 23.

domingo, 27 de março de 2011

Educar é elevar o espírito.

A busca do conhecimento é algo inato ao ser humano. Ninguém conscientemente prefere viver nas trevas da ignorância podendo facilmente acessar a luz da inteligência. No entanto, o estudo requer a identificação de um chamado interior, para que tudo aquilo que se queira aprender passe a ter um contexto adequado a cada um de nós. Nada mais é do que encontrar uma razão pela qual estudar um determinado assunto se torne importante em nossas vidas. Mas se uma mudança de postura começa dentro de nós mesmos, o segundo passo é mudar o nosso ambiente – seja restaurando o mínimo de razão nele; seja abandonando-o de uma vez por todas. E, como se fossem círculos concêntricos, essas mudanças de atitude devem se expandir, criar um vínculo entre as pessoas, num sentimento mútuo de que é realmente possível tornar menos insuportável a nossa vizinhança, o nosso bairro e, por que não dizer?, a nossa cidade, o nosso país. Qualquer ensinamento parte de precisas definições. Os conceitos fundamentais de um assunto são o que dão suporte ao que se eleva como conhecimento. Por outro lado, há sempre uma tentação irascível de saltar diretamente às tendências mais modernas, sem a preocupação de uma formação anterior. Também não seria ousadia dizer que, num empenho em buscar um pensamento estritamente novo e original, pode-se acabar por recusar ou esquecer uma tradição de pensamento já existente. Longe de negar o que ainda se possa fazer do futuro, mas nos privarmos do que possuímos de forma efetiva em sólidos fundamentos, reinventando uma cultura sem antes herdarmos as tradições existentes que expressam realmente o que somos, é repetir a experiência de formação de uma classe intelectual que não enxerga além de seus cacoetes sem sentido. Quando falamos em cultura, devemos abarcá-la em todas as suas possibilidades para definirmos bem o motivo que nos leva à manutenção de uma tradição. Grosso modo, e para não me estender demais neste tema que é, em verdade, o pano de fundo do que pretendo discutir aqui, toda uma tradição e seus costumes dedicam-se à unificação. É um elo entre um povo ou nação, aquilo que o torna único, que cria vínculo entre pessoas. Assim, tais tradições e costumes expressos principalmente nas artes têm apenas uma função: educar. Certamente os costumes e tradições vão evoluindo junto com uma cultura universal. Note que universal aqui é usado como uma ligação com o Eterno. Todavia, na ânsia de buscar uma cultura popular, tolera-se ignorar uma ligação – ou diálogo – com essa cultura universal. Não criamos a literatura, tampouco o teatro ou a pintura. Tratam-se de formas universais de expressão cultural. E ignorando este diálogo cria-se o que convencionalmente chamamos de crise. Segundo o filósofo Mário Ferreira dos Santos*, a palavra grega crisis significa separação, abismo. Onde há crisis, há uma separação, e separar é abrir distância entre pares. Mas como surgiria a ação de separar se não existisse aquilo que une? Eis aqui o ponto de vista acerca do coração desta crise: qual o elo entre os brasileiros? O que nos une? Nesta direção, observamos o fato de que habitua-se a memória para absorver somente alguns adornos, pouco se ocupando com os valores mais intrínsecos. Porque mesmo uma tradição ou costume pode ter qualidades nefastas. Na civilização Maia, para dar um exemplo, era costume extrair o coração de pessoas vivas em sacrifício aos deuses, enquanto batucavam-se ritmos ritualescos. E creio eu não haver um ser vivo não-dependente de haloperidol que se entusiasme na presença de tão infausta tradição. O que então devemos resgatar culturalmente? Tudo aquilo que possa se conectar com o Eterno, livrando-se, sem nenhuma culpa, daquilo que é lutuoso, imprestável e que fatalmente nos diminui. Educar é elevar o espírito. E só é possível uma ascensão quando olhamos para o alto, quando buscamos acessar o que nos parece inatingível. É uma forma de superação que traz consigo a possibilidade de crescimento, seja como indivíduo; seja como nação.

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* Santos, Mário Ferreira dos. A Filosofia da Crise, São Paulo, Editora Logos, 1956

Autor: Rodrigo Chiuso


Fonte: http://www.diogochiuso.com


Nota: Veremos até quando a arrogância patética do Brasil vai insistir em ignorar o Mário. Os frutos disso já estamos colhendo.