sexta-feira, 9 de abril de 2010

Estão todos dormindos, de Edson Nery da Fonseca

A beleza das digressões

Em sua nova obra, que pode ser definida como uma mistura de memorialismo e historiografia intelectual, Edson Nery da Fonseca, como que buscando um acerto de contas com o passado, traça o perfil de pessoas com as quais conviveu e que tiveram importância na formação de sua visão de mundo. Segundo o prefaciador da obra, o professor Anco Márcio Tenório Vieira, trata-se de “um memorialismo que se manifesta obliquamente, por subtração, como partes de uma reflexão maior”. De fato, Edson Nery, como uma espécie de Riobaldo do mundo real, tenta buscar um lastro de sentido na miríade de acontecimentos e de pessoas que visitam suas lembranças e acaba compondo um painel da história recente da cultura brasileira.

No seu livro anterior, Vão-se os dias e eu fico, publicado em 2009, o autor partia de sua história pessoal e acabava falando de episódios e personagens; em Estão todos dormindo, o caminho é inverso – a partir da caracterização de outros, ele acaba, hábil e subliminarmente, revelando sua personalidade e seu pensamento. Este último livro é mais uma prova de que se trata do autor mais competente do País em atividade no gênero memorialístico.

Edson Nery formou-se intelectualmente numa época em que intelectuais eloquentes e eruditos, como Álvaro Lins, Gilberto Freyre e Otto Maria Carpeaux, movimentavam o debate cultural brasileiro. O texto de Edson Nery da Fonseca, personalista, amplo e digressivo, é, sem dúvida, devedor desses grandes estilistas já desaparecidos. O grande mérito das narrações de cada perfil é como o escritor consegue relacionar seu personagem com o momento histórico e com a ideias de cada época. A reflexão não se limita, portanto, à contribuição intelectual de cada indivíduo: Edson Nery, utilizando-se de sua erudição e senso crítico, mostra o papel que essas ideias desempenharam na dinâmica da história cultural recente do País. Ao falar de seu amigo Anísio Teixeira, por exemplo, que em geral é exclusivamente lembrado como grande educador, o autor apresenta outras dimensões do personagem, como a religiosa e a política, tudo isso imiscuído a episódios retirados da relação pessoal entre os dois.

O pensamento do autor sobre a morte é uma constante no livro: todos os personagens já se foram, “estão todos dormindo, profundamente”, como no verso de Manuel Bandeira. A obra reflete a humildade daqueles que – como um James Boswell em relação à Samuel Johnson, reconhecem-se não como protagonistas da história, mas como apaixonados admiradores e divulgadores daquilo que é intelectualmente importante e, principalmente, daquilo que é belo.

(Eduardo César Maia)

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