sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Cidade da Cultura, papai noel, o velho do saco e outras lendas.



Há dois tipos comuns hoje em dia em nossa sociedade. É o jovem gênio e o outro o jovem ingênuo. Hoje falarei apenas do primeiro caso. O primeiro tipo filho bem nascido da (pretensa) alta sociedade do Cariri (ou de outros locais que o mandam para fazer sua genialidade cá junto de nós) tem todos os atributos do gênio mesmo. O que recebe o Nobel, o que ganha a Palma de Ouro em Cannes, ou menos, o que recebe medalha no colégio (que é o mais comum). Só que a genialidade no Cariri hoje em dia ela é fácil, ela é criada assim, como o parto em um conto surrealista com a necessidade urgente de tapar um buraco psicológico dos seus pais e até de si mesmo. O gênio do cariri nasce antes da obra. Ele é um primo-irmão do Macunaíma.
Para tanto, o mesmo tem que estar entre os grandes da medicina ou do direito. Sabemos que sempre tais profissões tiveram seu devido valor na sociedade ao longo dos séculos, principalmente no interior do Brasil, onde assolado pela ignorância, os tais médicos e “aDevogados” tomavam ares de salvadores da pátria ( e muitas vezes eram mesmo), uma simbiose de Maomé com faraó, representantes de Deus na terra. Até hoje, no meio das brenhas, becos, avenidas ou vielas nunca se ouviu falar no gênio sociólogo, antropólogo ou historiador por aqui. Eram todos, meros zumbis destinados ao ofício do professorado. É no meio desse contexto que imporá o jovem gênio tolo que hoje desbrava a sociedade do Cariri. Ele quem rege os hábitos, quem dita o que se come, o que se bebe, e quando se bebe, o que se escuta, o que se (não) lê.
Bem vestido, munido de uma garrafa de whiski, um carro e um som, alto o bastante para mostrar sua tendência asnática, com sua plena (falta de...) compostura, “chega chegando” como se diz por aí. Passa pelas ruas como um cometa, deixando um resto de notas sonoras confusas (sorte quando são confusas, pois se você perceber algo ali certamente será alguma palavra do tipo: rapariga, cabaré, cachaça ou algo que equivalha o nível do ouvinte dono do possante). A vida então se resume a nada mais do que isso. Esse é o auge do gênio. Aí você poderá perguntar: - O quê? Mas é só isso? Só isso e nada mais! O gênio do Cariri, certamente o futuro de nossa sociedade, os pais que guiarão seus filhos daqui a uns anos são compostos disso. Mas daí surge outra pergunta: - E como se pede ter chegado a tal nível? Não estudam? Não são pessoas “bem nascidas”? A resposta dessa vez é um pouco mais complexa. O estado de coisas está assim justamente pela sustentabilidade numa falsa educação. Um bojo de conhecimentos técnicos postos em prática para o puro e simples deleite (ou segurança) econômico(a). Não se pode dizer aqui que a juventude não seja esforçada. São certamente. Tem impulsos de ganhar a vida, o mundo, e para isso estudam e muito. Mas, o que estudam?
O que se vê é uma massa de jovens onde noventa por cento não pensa em outra coisa a não ser um emprego. Em casa, a educação se baseia nisso. Em “estudar para ser gente”, e é do próprio berço que o caririense sabe que não passa de um animal abjeto. Um pote de moedas é sua educação. Quem junta mais é mais educado. Nisso, sua cultura está em se travestir de uma pretensa elite, copiando trejeitos dos mais banais, superficiais, ridículos e tolos(que souber dizer: bom dia, boa tarde e boa noite é educado). O vestir é uma segunda essência. Está acima de (quase) tudo. O charme baseado em sei lá o quê é sustentado psicologicamente como numa tragicomédia de extremo mau gosto. Isso pode ser visto em ambos os gêneros. Há o charme do vestir, do whisky falso, do carro, do som do carro, dos rodões do carro (aliás, tudo que gravita em torno do carro vale como parte essencial do seu âmago). Há aqui que se falar que o carro, objeto que aqui toma ares de oferenda dos Deuses. No nosso Cariri o carro diz muito não só sobre seu presente, mas, sobretudo sobre seu futuro (sexual), sua respeitabilidade. Por meio dele há uma valsa estranha onde homens regem a dança e boa parte das moças “bem nascidas”, avaliando mui bem o vestir, o beber, o carro...assim são escolhido seus pares.
As jovens (“bem nascidas”) tolas de Paris do século XVII e XVIII eram tolas que tocavam piano, liam romances, sabiam diferenciar um bom vinho, conheciam boa parte da história da arte, freqüentavam teatros etc. Vê o quanto avançamos! As nossas bem nascidas, com os mesmos trejeitos esnobes chegaram quase lá, recitam versos ilustres: Dinheiro na mão calcinha no chão, forró do Chico rola, quem vai comer a minha piriquita, aos largos goles do bom e falso whiski, com o varão ao lado, de copo na mão, como se tivesse ganho o Nobel e exibisse ao público. Hão de falar que o contexto é outro, e é claro que é! Não é por falta de esforço que chegamos a tal ponto. Tem que se querer descer ao inferno, e por ele ainda tirar uma onda com Dante: - Êeee carcamano! Tá com nada! Nós vamos mais fundo que vocês! E o pior é que vamos mesmo.
Culturalmente estamos num pântano sem a menor perspectiva de sairmos dele. Tem que veja o Crato como cidade da cultura dado ao notável número de artistas de boa qualidade que temos aqui e isso é algo que não podemos negar, porém, culturalmente sua arte não é percebida, ficando fechada a um pequeno ciclo que a percebe, e outro que faz de conta perceber. A verdadeira arte aqui não estabelece sua função social que era formar um ser humano melhor, desenvolvendo-o em sua percepção estética e filosófica (totalmente utópico na cidade da cultura).
A educação aqui, reflexo escravo do que se é tido como modelo de educação dos grandes centros, passa por essa prova. Não é capaz de formar cidadão algum, e é direcionada apenas para um futuro empregatício. É desumanizar demasiadamente o que se foi construído através de séculos de esforço na cultura ocidental achando que o único fim do aprimoramento humano através de seus estudos seja ter um emprego como finalidade. São com esses intuitos, desprezando o que seja a pintura, suas possibilidades de introspecção, de autoconhecimento, é rejeitando a música como arte nobre, capaz de formar um ser humano melhor, é fazendo troça do teatro, da filosofia e de tudo que possa trazer qualquer tipo de introspecção. É assim que vamos. E o pior, há quem pague (e não são poucos) por essa educação. A cultura de uma sociedade é algo que bem mais complexo do que apenas a existência da economia e do comércio. Aqui, é só o que existe. Uma cultura manca, mas muito bem vestida e galopante a passos largos em direção ao fosso. Há que diga que em alguma parte do que escrevi acima haja algum preconceito, algum recalque nas entrelinhas, mas resta a cada um o direito de ver o que quer de acordo com suas (im)possibilidades. Paciência.

Um comentário:

Prof. Júnior Lima disse...

Um boa e grande dose de ironia, de sarcasmo deixam qualquer texto sobre o cotidiano, sobre o comum, o banal, bem mais interessante de se ver. Parabéns pelo belíssimo e ácido texto.